A CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS EM GERAÇÕES E SUAS IMPLICAÇÕES
11/2004
Os direitos fundamentais, atualmente resguardados pela Constituição da República Federativa do Brasil, representam uma vasta gama de direitos essenciais aos indivíduos e especificamente a toda a sociedade. Porém, uma vez que estes direitos estão dispostos em enunciados vagos e pouco precisos, e que estes direitos são garantidos a toda a sociedade, ocorre constantemente à colisão de tais direitos, originando conflitos entre os interesses diferenciados de cada indivíduo.
O presente artigo caminha no sentido de estudar rapidamente os direitos fundamentais, e sua posterior classificação em gerações.
1- Introdução
Diante do caráter controvertido e problemático da sociedade em que se vive atualmente e, das infindáveis relações humanas amplamente necessárias e indispensáveis para transpor estas controvérsias, fica claramente observável que o homem é um “ser-com”, um ser inserido e integrado no processo histórico-social.[1] Assim, como o ser humano modifica constantemente seus ideais, seus conceitos e suas aspirações, observa-se que os direitos fundamentais, criações deste próprio ser humano, também são modificáveis e, portanto, não são absolutos e ilimitados.[2]
A limitação e a relatividade dos direitos fundamentais decorrem de uma sociabilidade humana, sociabilidade esta, que para Aristóteles é uma característica fundamental e específica do homem.[3] Embora se tenha hoje uma visão não absolutista e limitativa dos direitos fundamentais, inicialmente num plano filosófico[4], os direitos fundamentais foram entendidos como sendo naturais, imutáveis e universais.
No entanto, o pensamento atualmente aceito é de que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. NOTA BOBBIO[5]
Desta feita, é importante ressaltar que, uma vez que estes direitos fundamentais são frutos de lutas históricas, logicamente caminham paralelamente com a democracia sendo que os direitos fundamentais são hoje o grande parâmetro de aferição do grau de democracia de uma sociedade. Ao mesmo tempo, uma sociedade amplamente democrática é condição imprescindível para a eficácia dos direitos fundamentais. Note-se que, direitos fundamentais eficazes e democracia são conceitos indissociáveis, não subsistindo aqueles fora do contexto desse regime político.[6] Gilmar Ferreira Mendes
Convém salientar que, estes direitos evoluíram e continuam incessantemente evoluindo com o decorrer dos tempos. Devido a esta “mutatis mutandis” (mutabilidade) dos direitos fundamentais, os mesmos precisaram de denominações e critérios para esta evolução, sendo que o critério inicialmente utilizado foi o de classificá-los de acordo com seu grau de evolução, ou seja, primeiramente, esta denominação se deu por gerações: direitos de primeira, segunda e terceira geração, sendo que no desenrolar de uma evolução histórica marcada por carências, necessidades, demandas, lutas e resistências, tem se admitido atualmente os direitos de quarta geração.
Conforme se demonstrará, apesar da fama que alcançou, a teoria das gerações dos direitos fundamentais não se sustenta diante de uma análise mais crítica, nem é útil do ponto de vista dogmático. Possui, contudo, um inegável valor didático, já que facilita o estudo dos direitos fundamentais, e simbólico, pois induz à idéia de historicidade desses direitos. Além disso, o modelo baseado nas gerações fornece o alicerce para a construção de uma nova teoria das dimensões dos direitos fundamentais, esta sim importante e útil. Conforme se observa, infelizmente encontra-se ultrapassada tal denominação, o que será exposta no presente artigo.
Esta investigação acerca dos direitos fundamentais e sua classificação em gerações, é feita pela interpretação constitucional e doutrinária, estudando a evolução dos direitos fundamentais, tais como concebidos atualmente, sendo que tal análise é feita com o arrimo oferecido pela teoria dos direitos fundamentais e pela análise dos mesmos no contexto histórico.
O Brasil, em seu processo histórico legislativo, possuiu diversas Cartas Constitucionais, sendo que, desde a Constituição Imperial de 1824 já existiam alguns direitos fundamentais, porém, é na atual Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, que se encontra um vasto catálogo de direitos fundamentais. Abstratamente, esses direitos mantêm entre si e com outros bens constitucionalmente protegidos uma relação de harmonia, por se tratarem de normas constitucionais. Fator importante a se frisar é que não há entre eles ordem hierárquica ou supremacia de uns sobre outros.
2- Classificação dos Direitos Fundamentais
Quando se estudam os direitos fundamentais e particularmente sua classificação em gerações, cumpre dissertar rapidamente acerca das diversas formas de estudo e classificação dos direitos fundamentais utilizadas por diversos doutrinadores.
Os doutrinadores têm com o passar dos tempos, estudado e concebido os direitos fundamentais das mais diferentes formas e, com as mais diferenciadas nomenclaturas. Dentre essas formas, pode-se estudar os referidos direitos dividindo-os em gerações, como o faz Paulo Bonavides,[7] Norberto Bobbio[8] entre outros, ou sob a forma de dimensões, como o faz Robert Alexy[9], Konrad Hesse[10] e no Brasil, Willis Santiago Guerra Filho[11] ou ainda classificar e estudar conforme são arrolados na Constituição Federal.
No presente estudo analisasse claramente a classificação dos direitos fundamentais em gerações e porque tal forma de classificação não pode ser considerada ideal.
3- Das Gerações de Direitos Fundamentais
No ano de 1979, proferindo a aula inaugural no Curso do Instituto Internacional dos Direitos do Homem, em Estrasburgo, o jurista Karel Vasak utilizou, pela primeira vez, a expressão “gerações de direitos do homem”, buscando, metaforicamente, demonstrar a evolução dos direitos humanos com base no lema da revolução francesa (liberdade, igualdade e fraternidade).
De acordo com o referido jurista, a primeira geração dos direitos humanos seria a dos direitos civis e políticos, fundamentados na liberdade (liberté). A segunda geração, por sua vez, seria a dos direitos econômicos, sociais e culturais, baseados na igualdade (légalité). Por fim, a última geração seria a dos direitos de solidariedade, em especial o direito ao desenvolvimento, à paz e ao meio ambiente, coroando a tríade com a fraternidade (fraternité).[12]
Esse despretensioso discurso, logo ganhou fama e os juristas passaram a repeti-lo e até desenvolvê-lo, entre eles, Norberto Bobbio, foi um dos principais responsáveis pela sua divulgação.[13] Aliás, muitos pensam erroneamente que a doutrina das gerações dos direitos fundamentais é de sua autoria.
Convém salientar que, uma nova geração foi acrescida à tríade inicial,[14]ou seja, foi incluída a quarta geração, no Brasil, desenvolvida pelo Professor Paulo Bonavides.
Observe-se que, estas gerações são definidas em decorrência da transformação e ampliação dos direitos fundamentais para os cidadãos. Bobbio demonstra com exatidão essas transformações, definindo que basta examinar os escritos dos primeiros jusnaturalistas para ver quanto se ampliou esta lista de direitos. Tal jurista utiliza como exemplo para justificar seu pensamento a figura de Hobbes, o qual segundo Bobbio, conhecia apenas um dos direitos fundamentais, o direito à vida.
Cumpre expor que, segundo o pensamento de Bobbio, o desenvolvimento dos direitos do homem passou por três fases: num primeiro momento, afirmaram-se os direitos de liberdade, isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado; num segundo momento, foram propugnados os direitos políticos, os quais conceberam a liberdade não apenas negativamente, como não-impedimento, mas positivamente, como autonomia. Este segundo momento teve como conseqüência imediata a participação cada vez mais ampla, generalizada e freqüente dos membros de uma comunidade no poder político (ou liberdade no Estado); finalmente, foram proclamados os direitos sociais, que expressam o amadurecimento de novas exigências e de novos valores, como os de bem-estar e da liberdade através ou por meio do Estado detentor do poder econômico.[15]
3.1- Divisão de Direitos Fundamentais em Gerações Específicas
Os direitos fundamentais são divididos em direitos de primeira, segunda e terceira geração. Contudo, e conforme já delimitado, atualmente se fala nos direitos de quarta geração, que consistem no direito à autodeterminação, direito ao patrimônio comum da humanidade, direito a um ambiente saudável e sustentável, direito à paz e ao desenvolvimento.
A primeira geração de direitos fundamentais dominou o século XIX e é composta pelos direitos de liberdade, que correspondem atualmente aos direitos civis e políticos. Tendo como titular o indivíduo, os direitos de primeira geração são oponíveis ao Estado, sendo traduzidos como faculdades ou atributos da pessoa humana, ostentando uma subjetividade que é seu traço marcante. São os direitos de resistência face ao Estado, e entram na categoria do “status negativus” da classificação de Jellinek.[16]
A segunda geração de direitos fundamentais, da mesma forma que a primeira, foi inicialmente objeto de formulação especulativa em campos políticos e filosóficos que possuíam grande cunho ideológico. Dominaram o século XX assim como os de primeira geração dominaram o século XIX. Tiveram seu nascedouro nas reflexões ideológicas e no pensamento antiliberal desse século.[17]
Proclamados nas Declarações solenes das Constituições marxistas e também na Constituição republicana alemã de Weimar de 1919, os direitos de segunda geração exerceram um papel preponderante nas formulações constitucionais após a segunda guerra.
Cingidos ao princípio da igualdade, sendo este a razão de ser daqueles, os direitos de segunda geração são considerados como sendo os direitos sociais, culturais, coletivos e econômicos, tendo sido inseridos nas Constituições das diversas formas de Estados Sociais.
Quando da declaração desses direitos de segunda geração, eles exigiram do Estado determinadas prestações impossíveis de serem concretizadas naquele dado momento histórico e, dessa forma, com a juridicidade questionada, os direitos de segunda geração foram lançados como diretrizes, ou programas a serem cumpridos, ou seja, esses direitos foram remetidos à esfera programática porém de difícil realização na esfera da efetividade.
Quanto a esses direitos de segunda geração, conforme salienta Paulo Bonavides, os mesmos atravessaram, uma grande crise de observância e execução, cujo fim parece estar próximo, desde que recentes constituições, inclusive a Constituição Brasileira de 1988, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais. Diante desta aplicabilidade imediata recém inserida nas modernas Constituições, os direitos da segunda geração tendem a tornar-se tão justificáveis quanto os da primeira; pelo menos esta é a regra que já não poderá ser descumprida ou ter sua eficácia recusada com aquela facilidade de argumentação arrimada no caráter programático da norma.[18]
Por direitos de terceira geração entendem-se, os direitos que englobem os ideais de fraternidade ou solidariedade. São identificados como sendo o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação.[19]
Norberto Bobbio ao tecer comentários sobre a terceira geração de direitos, assevera que, para o doutrinador Celso Lafer, os direitos de terceira geração são, sobretudo, direitos cujos sujeitos não são os indivíduos, mas sim, os grupos de indivíduos, grupos humanos, tais como; a família, o povo, a nação e a própria humanidade.[20]
Reconhecidos esses direitos de terceira geração, tendo seu gênero como sendo a solidariedade ou fraternidade, seu desenvolvimento pode ser exprimido de três maneiras; primeiramente pelo dever de todo Estado particular levar em conta, nos seus atos, os interesses de outros Estados (ou de seus súditos); num segundo momento buscar a ajuda recíproca (bilateral ou multilateral), de caráter financeiro ou de outra natureza para a superação das dificuldades econômicas (inclusive com auxílio técnico aos países subdesenvolvidos e estabelecimento de preferências de comércio em favor desses países, a fim de liquidar déficits); e num terceiro plano uma coordenação sistemática de política econômica.[21]
Conforme rapidamente exposto, as bases os direitos fundamentais de quarta geração, são lançadas por Paulo Bonavides, o qual define que a globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos de quarta geração, que aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado social.[22]
Segundo o Jurista, os direitos da quarta geração consistem no direito à democracia, direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a materialização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo quedar-se no plano de todas as afinidades e relações de coexistência.
Enquanto direito de quarta geração, a democracia positivada há de ser, necessariamente, uma democracia direta, que se torna a cada dia mais possível, graças aos avanços tecnológicos dos meios de comunicação, e sustentada legitimamente pela informação correta e aberturas pluralistas do sistema.[23] Deve-se ressaltar, ainda, que tal democracia deve ser isenta, livre das contaminações, vícios e perversões dos meios de comunicação em massa e da corrupção que muitas vezes assola os sistemas de governo.
3.2- Consectários Relevantes sobre as Gerações de Direitos Fundamentais
Importante salientar que, a teoria das gerações dos direitos fundamentais, embora muito bem definida e defendida por alguns doutrinadores, nem sempre retrata com a devida precisão a realidade histórica, pois, nem sempre, no contexto histórico e político, vieram os direitos da primeira geração para, somente depois, com a evolução da humanidade serem reconhecidos os direitos da segunda geração. Muitas vezes lutas e buscas por alguns direitos de segunda geração, por exemplo, surtiram efeito quando sequer eram fortes e arraigados os direitos de primeira geração.
O Brasil é um exemplo claro dessa constatação, pois, neste país, vários direitos sociais foram implementados antes da efetivação dos direitos civis e políticos. Na “Era Vargas”, durante o Estado Novo, período que vai de 1937 a 1945, foram reconhecidos, por lei, inúmeros direitos sociais, especialmente os trabalhistas e os previdenciários, sem que os direitos de liberdade (de imprensa, de reunião, de associação, etc) ou políticos (de voto, de filiação partidária) fossem assegurados, visto que se vivia sob um regime de exceção democrática e, a liberdade não se estendia para além da letra morta da lei, não se refletindo junto à sociedade. Neste momento histórico e político, em outras partes do mundo vivia-se o auge da Segunda Guerra Mundial e a privação total de direitos fundamentais de milhões de pessoas, tal qual o direito a vida e a dignidade.
Outro exemplo atualizado desta idéia, nem sempre correta, de que os direitos de liberdade, ou seja, de primeira geração, antecedem historicamente os direitos de igualdade da segunda geração ocorre na China e em Cuba. Nestes países, onde vigora um regime comunista autoritário até os dias atuais, não há proteção aos direitos de liberdade, não há liberdade de pensamento político divergente, porém vários direitos de igualdade e de dignidade são proclamados pelo próprio Estado opressor.
Além disso, no plano internacional, os direitos trabalhistas (sociais) surgiram anteriormente aos direitos de liberdade, bastando lembrar que a Organização Internacional do Trabalho (OIT), foi criada logo após a Primeira Guerra Mundial para uniformizar em nível global, as garantias sociais dos trabalhadores e surgiu antes da Organização das Nações Unidas (ONU). Desse modo, vários tratados reconhecendo direitos sociais foram editados no começo do século XX (1920/1930), ao passo que a Declaração Universal dos Direitos do Homem somente foi editada em 1948.
Por fim, outra afirmação que historicamente não traduz totalmente a verdade é a de que a postura do Estado Liberal sempre foi uma postura meramente passiva. Esta afirmação é apenas uma verdade parcial, pois, no campo da repressão, o Estado liberal foi bastante ativo, extrapolando, muitas vezes, a sua tão proclamada condição de espectador, colocando-se ao lado dos detentores do capital na repressão exaustiva aos trabalhadores. Era comum o apoio das forças policiais estatais para proteger as fábricas, perseguir e prender lideranças operárias, apreender jornais, destruir gráficas, [24] demonstrando, portanto, que o discurso liberal era de mão única, protegendo apenas os interesses da burguesia.
Note-se que, quando a liberdade (no caso, a liberdade de reunião, de associação e de expressão) representava uma ameaça ao “status quo” social, quando objetivava modificar a divisão de castas, o Estado deixava de lado a doutrina do “laissez-faire”, do “deixe fazer”, da não intervenção, e passava a agir, intensamente, em nome dos interesses da burguesia dominante. Qualquer semelhança com o Estado neoliberal não é mera coincidência.
Fica evidente com o estudo da evolução dos direitos fundamentais que, normalmente o Estado opressor cede, possibilita alguns direitos aos cidadãos em detrimento de outros direitos de mesma importância e hierarquia, pois, dessa forma, o Estado consegue controlar os anseios populares, consegue de certa forma e por certo período de tempo impedir rebeliões e insurgências populares. Trata-se de um mecanismo sutil de manutenção do poder e repressão do povo.
Outro fator importante a se frisar, e que também desmistifica a classificação dos direitos fundamentais em gerações, é a idéia muito aceita da indivisibilidade, idéia esta na qual os direitos fundamentais não podem ser divididos em gerações, pois, caminham emparelhados e unidos entre si, conforme reconhecidos pela ONU desde 1948.
Note-se, por exemplo, a dificuldade em se desvincular o direito à vida, previsto na primeira geração do direito à saúde de segunda geração; o direito a liberdade de expressão de primeira geração do direito à educação de segunda geração; o direito de voto de primeira geração do direito à informação de quarta geração; o direito de reunião de primeira geração do direito de sindicalização de segunda geração ou o direito à propriedade de primeira geração do direito ao meio ambiente sadio de terceira geração e assim por diante.
Embora alguns doutrinadores façam divisões específicas para os direitos fundamentais quanto às épocas de sua criação, é de suma importância, tratar os direitos fundamentais como valores indivisíveis, a fim de não se priorizar os direitos de liberdade em detrimento dos direitos sociais ou vice-versa. Na verdade, de nada adianta a liberdade sem que sejam concedidas as condições materiais e espirituais mínimas para fruição desse direito. Não é possível, portanto, falar em liberdade sem um mínimo de igualdade, nem de igualdade sem as liberdades básicas, ou seja, um direito não caminha nem se perfaz na sociedade na falta de outros direitos fundamentais.
Seguindo este entendimento fica claro e inequívoco que é valioso e imprescindível correlacionar os direitos sociais com as liberdades para que, desde logo, fique claro que não se trata de optar entre aqueles e estas. Não se querem, nem se podem ter direitos sociais efetivos sem ter a liberdade, assim como esta não é possível, para todos os indivíduos, sem aqueles. Em ambos casos, ficaria claramente comprometida a democracia e o princípio da dignidade da pessoa humana.[25]
Essa indivisibilidade dos direitos fundamentais, proposta por alguns doutrinadores, exige a superação da idéia de divisão dos direitos através de gerações. Exigindo, sobretudo, que seja abominada e descartada a idéia de que, por exemplo, os direitos sociais são direitos de segunda geração e de segunda categoria, como se houvesse hierarquia entre as diversas gerações de direitos fundamentais, e que a violação de um direito social não fosse tão grave quanto à violação de um direito civil ou político.
Note-se que, seguindo o mesmo sentido a expressão “geração de direitos” tem sofrido várias críticas da doutrina nacional e estrangeira pelo fato de que o uso do termo “geração” gera a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração de direitos por outra geração moderna, o que é um equívoco, uma vez que os direitos de uma determinada geração não desaparecem com o surgimento de uma nova geração, mas apenas e tão somente devem ser, pacificados. Como exemplo utiliza-se os direitos de liberdade, os quais não desaparecem ou não deveriam desaparecer quando surgem os direitos sociais e assim por diante. O processo é de acumulação de direitos e reforço dos existentes e não de sucessão de alguns direitos por outros.
Além disso, a expressão “geração de direitos” pode induzir à idéia de que o reconhecimento de uma nova geração somente pode ou deve ocorrer quando a geração anterior já estiver madura e aceita o suficiente, dificultando bastante o reconhecimento de novos direitos, sobretudo nos países de menor poder econômico, ditos em desenvolvimento, onde muitas vezes ainda se caminha na imaturidade e parcialidade dos direitos da chamada “primeira geração”. Não se pode permitir esta dificuldade no reconhecimento de novos direitos, pois, muitas vezes somente o reconhecimento de novos direitos fundamentais é que solidificam e pacificam direitos anteriormente expostos, porém de difícil efetividade jurídica e social.
4- Conclusão
A indagação referente aos direitos fundamentais e mais precisamente sua classificação em gerações, pode ser considerada atualmente um princípio basilar de direito constitucional, que visa buscar um procedimento ideal e real que melhor se adapte a necessidade de estudo dos direitos fundamentais.
Para se estudar algum instituto jurídico e, mais precisamente, os direitos fundamentais, é estritamente necessário estudar e conhecer como eles foram inicialmente classificados e definir como estas formas atualmente aceitas de classificação foram inseridas na sociedade e também se estas classificações ainda servem para tal.
Diante desta problemática, observa-se que os direitos fundamentais são classificados de diversas formas, porém a classificação em gerações é de suma importância para o estudo e desenvolvimento dos direitos fundamentais, pois, via de regra é a mais conhecida e defendida por doutrinadores exponenciais.
Tal classificação em gerações é rapidamente definida da seguinte forma; por primeira geração de direitos fundamentais têm-se os direitos individuais ou direitos de defesa (negativos) que impõem ao Estado e aos demais membros da comunidade um dever de abstenção. Os direitos de segunda geração, podem ser tidos como os direitos sociais estatais, tais como, saúde, educação, etc. Por direitos de terceira geração entendem-se os chamados direitos de solidariedade. Saliente-se que conforme evidenciado, atualmente se fala em direitos de quarta geração, estes que compreendem os direitos a paz e ao desenvolvimento, a um meio ambiente saudável e sustentável, etc.
Após esta exposição geral da classificação dos direitos fundamentais em gerações pode-se concluir que tal forma de classificação não pode ser mantida atualmente por vários motivos. Primeiramente pelo fato de que tal forma de classificação surgiu despretensiosamente e sem qualquer forma de embasamento conceitual ou filosófico. Num segundo plano, pelo fato de que os direitos fundamentais não surgem de gerações em gerações ou de tempos em tempos, e também, num terceiro prisma, mas não menos importante, pelo fato de que tais direitos são indivisíveis em sua efetividade e aplicação social, não podendo, desta feita, serem separados por critérios de classificação temporal ou histórico.
Outro fator importante a se ressaltar é o fato de que os direitos fundamentais não estão esgotados, eles nascem a cada dia com a evolução social da espécie humana, portanto, os critérios sociais e doutrinários até o momento utilizados, e os que surgirão, poderão num futuro próximo ser novamente modificados, conforme sejam modificados os direitos fundamentais existentes, concebidos e efetivados.
Após todo o explanado, fica evidenciado que os direitos fundamentais não podem mais serem concebidos por gerações, sendo necessários estudos e novas formas de classificação que melhor se adaptem a realidade atual, visando sobretudo manter estes direitos unidos entre si, pois, a evolução dos direitos e sua total efetivação na sociedade se perfaz pela exteriorização plena de todos os direitos concebidos até o momento, somados num mesmo contexto social.
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[1] GUIMARÃES, Aquiles Côrtes. Cinco lições de Filosofia do Direito. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1997. p. 16.
[2] STEINMETZ, Wilson Antônio. Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p.17.
[3] KURY, Mario da Gama (trad.). Política. 2a ed. Brasília: Ed. UnB, 1988, Livro I, Capítulo I, 1253 a, p.15.
[4] CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2a ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 352.
[5] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 10a ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 5.
[6] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2002. p.104.
[7] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 1999. p. 514-524.
[8] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 10a ed. Rio de Janeiro, Editora Campos, 1992. p. 4-7.
[9] Habilitationschrift. Tese de livre docência versando sobre a Teoria dos Direitos Fundamentais, com o apoio em seu mestre, Ralf Dreier. Apud GUERRA FILHO, Willis Santiago. Direitos Fundamentais, processo e princípio da proporcionalidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p.11-12.
[10] HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional Alemão. Porto Alegre: Safe Apud LOPES, Edgard de Oliveira. Os direitos fundamentais sob a ótica das influências ético-filosóficas, consoante o magistério de Hans Kelsen, Miguel Reale e Willis Santiago Guerra Filho. Jus Navegandi, Teresina, a. 6, n. 56, abr.2002. Disponível em: http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2872.
[11] GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional e Direitos Fundamentais. São Paulo:Celso Bastos, 1999. p. 38/39.
[12] PIOVESAN, Flávia. Temas de Direitos Humanos. São Paulo: Max Limonad, 1998. p. 28.
[13] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 10a ed. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1992. Interessante notar que até o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de reproduzir a teoria das gerações dos direitos fundamentais, conforme se observa no seguinte voto do Min. Celso de Mello: “enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos) – que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identifica com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade” (STF, MS 22164/SP)
[14] Atualmente tem se pensado por alguns em direitos de quarta, quinta, sexta e até sétima gerações, surgidas com a globalização, com os avanços tecnológicos (cibernética) e com as descobertas da genética (bioética). HOESCHL, Hugo César. O Conflito e os Direitos da Vida Digital. Disponível on-line (1/11/2003): http://www.mct.gov.br/legis/Consultoria_Juridica/artigos/vida_digital.htm
[15] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 10a ed. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1992. p. 32/33.
[16] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 1999. p. 517.
[17] Ibid. p. 518.
[18] Ibid. p. 518.
[19] Ibid. p. 523.
[20] BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 10a ed. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1992. p. 13.
[21] MBAYA, Etiene-R. A Menschenrechte im Nord-Sued Verheltnis. Apud, BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 1999. p. 523/524.
[22] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 1999. p. 524-526.
[23] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros Editores, 1999. p. 525.
[24] DE LUCA, Tânia Regina. Direitos Sociais no Brasil, p. 472. In: História da Cidadania. São Paulo: Contexto, 2003. p. 469-493.
[25] MORO, Sergio Fernando. Jurisdição Constitucional como Democracia. Tese de Doutorado, Curitiba, 2001. p. 217.
Autor: Luciano Rodrigo Masson, advogado, mestre e professor universitário de direito.