Aposentadoria da pessoa com deficiência
08/2023
Desde a Constituição de 1988 observamos uma maior atenção do legislador brasileiro em relação às pessoas portadoras de deficiência.
O inciso XXXI do art. 7º da Constituição Federal, dentro do capítulo dos direitos sociais, vedou qualquer tipo de discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência. Por seu turno, no art. 23 da mesma Carta Constitucional constou a competência concorrente da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios no tocante aos cuidados da saúde, assistência, proteção aos portadores de deficiência.
Na mesma linha, outros direitos foram inseridos na Constituição, como a reserva de vagas nos cargos e empregos públicos, prioridade no pagamento de precatórios, programas de habilitação, reabilitação e promoção à integração da vida em comunidade, garantia de um mínimo assistencial àqueles que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, atendimento educacional especializado, acesso adequado nos transportes coletivos, acessibilidade, entre outros.
No campo previdenciário também houve avanço em relação aos segurados deficientes, especialmente com a promulgação da Lei Complementar 142/2013, que regulamentou a concessão de aposentadoria da pessoa com deficiência segurada do Regime Geral de Previdência Social.
Mas é importante destacar que para o reconhecimento do direito à aposentadoria de que trata a Lei Complementar 142, é necessário entender quem é a pessoa com deficiência nos termos desta lei.
A legislação considera pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Logo, do ponto de vista hermenêutico, vemos que a lei exige mais que a mera condição de portador de uma deficiência. A lei exige a deficiência enquanto um impedimento de longo prazo, seja de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que em interação com diversas barreiras, ou seja, não com apenas uma barreira, obstrua a participação plena e efetiva da pessoa na sociedade.
Entendemos, portanto, que o conceito de deficiência para fins de aposentadoria parte de uma análise multidisciplinar, observando-se além dos aspectos físicos, como essa pessoa vive socialmente com suas limitações, seguindo a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF.
A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde – CIF é um estudo feito pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e aprovada em 2001, na 54ª Assembleia Mundial da Saúde, em substituição à antiga Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens.
A CIF observa múltiplos fatores para a identificação de uma pessoa com deficiência, entendendo que as funções mentais e corporais não bastam para identificar uma deficiência. De outra sorte, é necessário analisar os fatores pessoais (sexo, raça, idade, hábitos, educação, antecedentes sociais, nível de instrução, profissão, etc.) e ambientais (como é a casa, a escola, o local de trabalho, a comunidade, o transporte, a comunicação, etc.).
Não bastasse, também é adotado na avaliação o Índice de Funcionalidade Brasileiro Aplicado para Fins de Aposentadoria – IFBrA, instrumento metodológico criado especificamente para fins da LC 142/2013, e que por meio de um formulário a ser preenchido por médico e assistente social, resulta na identificação e gradação da deficiência.
A soma da pontuação atribuída ao periciando pelo médico com a pontuação atribuída pelo assistente social vão variar conforme ao grau de dependência de terceiros, e quanto maior for a dependência de terceiros, menor será a soma da pontuação. Em outras palavras, quanto mais pontos, menor é a dependência do segurado e menor é seu grau de deficiência.
Para a pontuação são analisadas, por exemplo, atividades como observar, ouvir, comunica-se, conversar, discutir, mudar e manter a posição do corpo, alcançar, transportar e mover objetos, movimentos finos das mãos, deslocar-se, lavar-se, cuidar-se, regulação de micção, regulação da defecção, vestir-se, comer, cozinhar, realizar tarefas domésticas, educação, qualificação profissional, exercício de trabalho remunerado, relacionamentos íntimos, entre outras.
Ao final, a gradação da deficiência se faz conforme o número total de pontos obtidos, e a deficiência será considerada grave, quando a pontuação for menor ou igual a 5.739; moderada, quando a pontuação for maior ou igual a 5.740 e menor ou igual a 6.354; leve, quando a pontuação total for maior ou igual a 6.355 e menor ou igual a 7.584. Por via de consequência, se a pontuação for igual ou superior a 7.585 o segurado não fará jus à concessão do benefício nos termos da LC 142/2013.
No mais, o art. 3º da Lei Complementar 142 estabelece outros critérios para a concessão. Vejamos o texto da lei:
É assegurada a concessão de aposentadoria pelo RGPS ao segurado com deficiência, observadas as seguintes condições: I – aos 25 (vinte e cinco) anos de tempo de contribuição, se homem, e 20 (vinte) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência grave; II – aos 29 (vinte e nove) anos de tempo de contribuição, se homem, e 24 (vinte e quatro) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência moderada; III – aos 33 (trinta e três) anos de tempo de contribuição, se homem, e 28 (vinte e oito) anos, se mulher, no caso de segurado com deficiência leve; ou IV – aos 60 (sessenta) anos de idade, se homem, e 55 (cinquenta e cinco) anos de idade, se mulher, independentemente do grau de deficiência, desde que cumprido tempo mínimo de contribuição de 15 (quinze) anos e comprovada a existência de deficiência durante igual período.
Por fim, também é importante entender que o legislador não deixou de fora pessoas que não nasceram deficientes, bem como os que se tornaram deficientes depois de se filiar ao Regime Geral de Previdência Social. Para esses segurados, a lei diz que se após a filiação ao RGPS, tornarem-se pessoas com deficiência, ou tiver seu grau de deficiência alterado, os parâmetros mencionados no art. 3º serão proporcionalmente ajustados, considerando-se o número de anos em que o segurado exerceu atividade laboral sem deficiência e com deficiência, observado o grau de deficiência correspondente, nos termos do regulamento a que se refere o parágrafo único do art. 3º desta Lei Complementar. Ou seja, é possível uma contagem diferenciada do tempo de contribuição como pessoa com deficiência, com conversões, capazes de garantir o mesmo direito àqueles que ficaram deficientes após o ingresso no mercado de trabalho por exemplo.
Autor: Luis Henrique Venâncio Rando, advogado, especialista em direito processual civil e direito previdenciário.