Hipoteca x alienação fiduciária. uma análise dos riscos
08.2018
Síntese
O presente artigo tem como escopo apresentar as características de duas das modalidades de garantia de dívida: hipoteca e alienação fiduciária. Assim, faz-se uma análise comparativa com foco nos riscos que cada uma delas apresenta caso seja necessária a execução forçada da dívida.
Palavras-chaves: Direito. Garantia. Direito Real. Direito Contratual. Alienação Fiduciária. Hipoteca.
Introdução
O presente estudo irá focar nas características e natureza de cada modalidade de garantia, buscando primeiramente esclarecer acerca de cada uma dessas possibilidades jurídicas, suas vantagens e suas desvantagens, para termos uma visão ampla sobre o assunto.
Após, iremos comparar essas características apresentadas e buscar maior foco em suas principais relevâncias, quais sejam assegurar que a dívida será adimplida. Serão analisados, portanto, os risco de ambas as modalidades de contrato, bem como a sua execução, e concluir enfim, de acordo com as circunstâncias, por qual dessas modalidades se deve optar.
1. Direitos reais em garantia
Os direitos reais em garantia designam o elo entre a coisa possuída e o seu possuidor, por meio da imposição de regras que garantem o direito do indivíduo à livre disposição, mesmo contra a vontade dos demais.
Pautado na necessidade de normatização das relações jurídicas do homem com os seus bens, é que o ordenamento jurídico pátrio destinou ao direito das coisas, uma importante missão de regular e assegurar obrigações, por meio de bens.
Nesse sentido, o direito real de garantia é o vínculo que se estabelece entre certo bem de um devedor ao pagamento de uma obrigação, sem que, necessariamente, o credor usufrua o bem em si. Como exemplo: se uma pessoa contrair um empréstimo de determinado valor em dinheiro e der ao credor um de seus bens em garantia do pagamento da dívida, a este tão somente é assegurado que, em não sendo cumprida a obrigação pelo devedor, o direito real sobre o bem. Dessa forma, enquanto não houver o adimplemento da dívida, o devedor terá limitado seus direitos sobre a propriedade daquele bem.
2. Hipoteca
2.1 Conceito e Natureza Jurídica
A hipoteca é uma garantia real imobiliária constituída sobre coisa alheia, por meio do registro do contrato na matrícula do imóvel.
O devedor garante ao credor a que um bem imóvel de propriedade dele ou de terceiro, responda pelo adimplemento total de um débito contraído com aquele. Na hipoteca não há a entrega do bem hipotecado, ou seja, o devedor continua utilizando o bem, sendo esse meramente gravado com o ônus real.
Na ocorrência do não pagamento total da dívida ou de parte dela, o credor terá o direito de executar o devedor judicialmente com a garantia de que o valor do imóvel será suficiente para saldar a dívida.
2.2 Vantagens e Desvantagens da Hipoteca
2.2.1 Vantagens
Podemos analisar que o bem garantido pela hipoteca não é o único e exclusivo bem que deverá suportar a dívida em caso de não cumprimento da obrigação, porém é o único que foi gravado com ônus real, ou seja, em caso de execução da garantia, poderá o credor penhorar outros bens do devedor para cobrir a dívida integralmente.
Além disso, os efeitos produzidos pela hipoteca são opostos erga omnes, o que dá direito ao credor hipotecário de perseguir o bem com quem quer que ele esteja, desde que devidamente registrada na matrícula do imóvel.
O artigo 1.476 do Código Civil elenca uma vantagem importantíssima, que expressa que o proprietário do imóvel hipotecado poderá, por meio de um novo título, constituir outras hipotecas em benefício do credor já existente, ou de outros credores, o que não é possível na alienação fiduciária.
Para finalizar, nesta modalidade de garantia real a extinção ocorre por meio de arrematação ou adjudicação do imóvel hipotecado, e nunca pela penhora do imóvel oferecido em hipoteca, em decorrência de ajuizamento de ação de execução por qualquer outro credor. Caso isso ocorra, ao titular da hipoteca não restará prejuízo.
2.2.2 Desvantagens
A primeira desvantagem é a possibilidade de degradação do imóvel pelo devedor, visto que continua em sua posse e usufruto. Contudo, havendo a deterioração ou a depreciação do bem dado em garantia, em consequência de negligência ou dolo do devedor, será considerada como vencida a dívida antecipadamente, se o devedor não reforçar ou substituir o imóvel hipotecado.
A segunda desvantagem da hipoteca é a necessidade de, em caso de descumprimento da obrigação, iniciar uma ação de execução hipotecária para que posteriormente o bem imóvel seja levado à hasta pública, demandando um longo lapso temporal para a recuperação do valor creditício.
Além disso, relevante mencionar que bem imóveis dados em garantia real podem sofrer penhora e execução por dívidas trabalhistas ou tributárias, modalidade de dívidas que tem preferência contra garantias reais.
Isso se desdobra ainda no cenário de possível insolvência do devedor onde o imóvel hipotecado agregar-se-á à massa falida, podendo frustrar o recebimento do crédito pelo credor hipotecário.
3. Alienação fiduciária
3.1 Conceito e Natureza Jurídica
A alienação fiduciária é espécie de direito de propriedade que tem como escopo de garantia, onde o devedor transfere ao credor a propriedade resolúvel. Nessa modalidade de garantia o credor detém a posse indireta do bem alienado e o devedor fica desnudo do domínio provisoriamente, permanecendo apenas com a posse do bem. Posteriormente ao cumprimento da obrigação, o devedor fiduciante terá a propriedade integralmente para si.
A propriedade é transferida ao credor, na confiança que o devedor adimplirá a obrigação assumida. É uma confiança mútua, uma vez que o devedor também acredita que o credor não imporá dificuldades à resolução da propriedade ao final do contrato. A confiança é a base e natureza jurídica do instituto.
3.2 Da Alienação Fiduciária Imobiliária
A Lei nº 9.514/1997 trouxe inovações que constituíram a possibilidade de alienação fiduciária também sobre bens imóveis, pois no início somente se fazia presente no financiamento de veículos, máquinas e utilitários. Aos poucos fora abrangendo o mercado imobiliário, quando a lei mencionada inseriu neste contexto a propriedade resolúvel, permitindo, ainda, que particulares, pessoas físicas ou jurídicas, contratassem entre si a alienação fiduciária.
O artigo 22, caput, da referida lei traz o conceito legal atinente ao instituto, qual seja: “[…] é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”.
3.3 Vantagens e Desvantagens da Alienação Fiduciária
3.3.1 Vantagens
Na alienação fiduciária, a propriedade fiduciária passa automaticamente ao domínio do credor fiduciário, ou seja, o credor tem para si a garantia de obter o domínio do imóvel até que seja quitada a dívida, constando até mesmo como proprietário na escritura.
Caso haja o inadimplemento contratual, pode o credor levar o imóvel a leilão público diretamente e extrajudicialmente, em trinta dias após a consolidação da propriedade em seu nome, consoante disposição do artigo 27, caput, da Lei 9.514/97.
Todavia, para que seja realizado o leilão é imprescindível atentar-se às suas regras, quais sejam: caso no primeiro leilão o maior lance não corresponda, ao menos, ao valor da avaliação do imóvel, outro leilão será realizado; no segundo leilão, o maior lance apenas será aceito se for igual ou maior que o valor da dívida remanescente; assim, se o importe angariado com leilão do bem ultrapassar o valor da dívida, o saldo residual deverá ser restituído ao devedor fiduciário, conforme o artigo 27, parágrafo 4º, da Lei 9.514/97.
É importante mencionar, que na alienação fiduciária, de acordo com a Lei 11.101/05, artigo 118, os bens revestidos de propriedade fiduciária não estão submissos às implicações da recuperação judicial do devedor e nem agregará a massa em caso de falência, sendo o domínio integral devolvido ao credor.
Para finalizar, importante salientar que como a propriedade não é do devedor, não pode o bem imóvel dado em garantia fiduciária ser alvo de penhora por dívidas do devedor, nem mesmo do credor. Ou seja, representa uma garantia de maior segurança para ambas as partes que aquele imóvel não será alvo de penhora, podendo apenas ser penhorados os valores pagos pelo devedor ao credor pelo contrato, mais especificamente, os direitos sobre este.
3.3.2 Desvantagens
A primeira desvantagem ocorre em caso de leilão, haja vista que na hipótese de no segundo leilão não se arrecadar a quantia necessária para satisfazer a obrigação, considerar-se-á extinta esta, consolidando-se a propriedade na pessoa do credor, que não poderá mais exigir a integralidade da dívida, consoante disposição expressa do art. 27, § 5º, da Lei 9.514.
Para finalizar, o bem objeto de alienação fiduciária não pode ser gravado mais de uma vez pelo devedor fiduciante, diferentemente do que ocorre na hipoteca, visto que não poderia transferir a propriedade a outro credor, uma vez que não possuí o domínio do bem imóvel.
4. Hipoteca x Alienação Fiduciária
Analisando as vantagens e desvantagens de cada instituto, podemos observar que ambos apresentam seus bônus e ônus. A alienação fiduciária apresenta maior segurança, posto que o credor guarda para si a propriedade do bem, e pode executá-lo de forma mais rápida e com a certeza que não o perderá por qualquer outra dívida do devedor ou mesmo pela insolvência deste.
Não obstante, ao analisar o valor do contrato, devemos sempre comparar com o valor do próprio bem que será dado em garantia, para impedir que a alienação fiduciária se torne ou lesiva demais, ou ineficaz em caso de inadimplemento.
Podemos verificar isso, nos casos em que o valor do bem imóvel é inferior ao da dívida, haja vista que normalmente os imóveis perdem boa parte do valor em hasta pública, ou seja, nesse caso seria mais vantajosa ao credor a hipoteca, pois além de executar o bem ele poderia cobrar o saldo remanescente da dívida.
Além disso, o mesmo se verifica nos casos em que o valor do bem é muito superior ao da dívida, onde o devedor encontrará uma restrição de seu direito de se desfazer da propriedade, em virtude de uma dívida pequena se comparada ao alto valor do bem, no entanto, se no lugar for adotada a hipoteca, o devedor poderá dispor do bem, ou mesmo realizar outras hipotecas ou garantias.
Conclusão
Conclui-se que a alienação fiduciária é mais vantajosa e amplamente utilizada nos dias atuais, principalmente, por conta da indiscutível segurança que transmite, onde o credor se vê tranquilo e capaz de apostar nessa modalidade contratual.
No cenário atual do país, onde a busca de crédito é inevitável e os juros aplicados nas negociações estão entre os maiores do mundo, o contrato de alienação fiduciária vem para minimizar riscos do negócio e, consequentemente, para proporcionar uma maior segurança às partes, diminuindo, talvez, os juros que seriam aplicados a outra modalidade de contrato.
No entanto, temos que mencionar que a hipoteca ainda tem sua utilidade nesse cenário social, podendo ser utilizada como garantia de dívidas menos expressivas, posto que possibilita a busca de créditos de quaisquer valores, ou ainda de altas dívidas por pessoas com bens de pequeno valor, gerando um maior número de contratos e negócios, e permitindo que várias compras e vendas atinjam sua potencial função social.
Sendo assim, observa-se que a viabilidade de cada instituto dependerá da análise do caso em concreto, pois não são conflitantes e podem tranquilamente vigorarem e ter seu público específico, tendo a alienação fiduciária maior vantagem quando analisada pelo ponto de vista de uma maior segurança contratual ao credor.
Referências
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Vol. 4 – Direito Das Coisas. 30ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Vol. V. Direitos Reais. – 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2016.
Raphael Caseri Ferreira dos Santos, advogado, especialista em direito contratual.