
Substituição Testamentária: O que é, suas modalidades e implicações práticas
06/2025
O planejamento sucessório consiste em um conjunto de medidas legais e estratégicas adotadas em vida para organizar a transferência do patrimônio aos herdeiros, evitando conflitos, reduzindo custos e impostos, além de garantir que a vontade do titular seja respeitada após seu falecimento.
Dentre as principais ferramentas de planejamento sucessório, destacam-se: a doação, o testamento, a holding familiar, a previdência privada, entre outras.
O testamento pode ser definido como a manifestação de última vontade, por meio da qual o indivíduo expressa o que deve acontecer com seus bens e direitos após a sua morte. Ele permite escolher quem serão os herdeiros ou legatários e como os bens serão distribuídos, sempre dentro dos limites legais.
Entretanto, como ninguém pode prever o futuro, podem ocorrer imprevistos que impactam diretamente nos efeitos do testamento, como o falecimento prévio do herdeiro ou legatário ou, ainda, sua recusa em receber a herança.
Nesses casos, o instituto da Substituição Testamentária, objeto deste artigo, assume papel fundamental para garantir o cumprimento da vontade do testador.
A substituição testamentária ocorre quando o testador designa um substituto para o herdeiro ou legatário, prevendo que, caso este não possa ou não queira receber a herança, outra pessoa seja chamada a ocupar o seu lugar.
O substituto é um personagem secundário, que apenas ingressa na sucessão quando o protagonista (herdeiro ou legatário) não deseja (nos casos de renúncia) ou não pode (falecimento prévio, indignidade ou impedimento) suceder.
Tal previsão encontra respaldo legal do artigo 1.947 do Código Civil, que dispõe:
“Art. 1.947. O testador pode substituir outra pessoa ao herdeiro ou ao legatário nomeado, para o caso de um ou outro não querer ou não poder aceitar a herança ou o legado, presumindo-se que a substituição foi determinada para as duas alternativas, ainda que o testador só a uma se refira.”.
A doutrina de Felício dos Santos assim define a substituição testamentária:
“Não há quem não queira que seus bens depois da sua morte sejam distribuídos conforme suas afeições, sentimentos filantrópicos ou religiosos. Pode acontecer que depois da morte do testador não possam ou não queiram receber seus benefícios as pessoas lembradas no testamento, e nada mais conforme à razão que lhe permitir substituí-las por outras.” NONATO, Orosimbo. Estudos sobre sucessão testamentária. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1957, p. 139.
A substituição pode ser realizada em qualquer espécie de testamento: público, particular ou cerrado.
Tradicionalmente, a doutrina divide a substituição testamentária em três modalidades principais:
- Substituição Vulgar
É a mais comum, ocorrendo quando o testador designa uma segunda pessoa para ocupar o lugar do herdeiro ou legatário que não puder ou não quiser aceitar a herança.
Exemplo: “Deixo a minha casa a João, e, na sua falta, a Maria.”.
O testador pode ainda nomear várias pessoas como substitutas de uma só, ou o inverso: indicar um substituto para vários instituídos, com ou sem reciprocidade.
Exemplos: “Deixo a minha casa para João, Maria e Márcio, sendo que, na ausência de qualquer deles, serão substituídos por Rafael.”, ou, “Deixo a minha casa para Rafael, sendo que, na ausência dele, será substituído por João, Maria e Márcio.”.
- Substituição Recíproca
Trata-se da substituição entre os próprios herdeiros ou legatários, para o caso de um deles faltar. Embora não seja expressamente prevista em lei, é aceita pela doutrina e jurisprudência.
Exemplo: “Deixo meus bens, em partes iguais, a meus filhos Ana e Bruno, substituindo-se um ao outro no caso de ausência.”.
- Substituição Fideicomissária
É a modalidade mais complexa, prevista no artigo 1.951 do Código Civil.
Nessa hipótese, o testador determina que o herdeiro ou legatário conserve o bem por um tempo, para posteriormente transferi-lo a outra pessoa.
Em suma, a substituição fideicomissária ocorre quando alguém deixa uma herança a uma pessoa, mas com a condição de que essa, chamada de “fiduciário”, repasse a herança a outrem, denominado “fideicomissário”, em determinado momento. Existem diferentes formas dessa substituição:
- a) Vitalícia: O fiduciário fica com a herança enquanto viver, mas após sua morte ela é transferida a outra pessoa.
Exemplo: “Deixo minha fazenda a Pedro, mas quando Maria morrer, a casa vai para Lucas.”.
- b) A Termo: A herança será transferida após um prazo determinado, ainda que o fiduciário esteja vivo.
Exemplo: Camila deixa sua casa para Joana, mas, depois de 10 anos, a casa vai para Maria.”.
- c) Condicional: A herança será transferida apenas se ocorrer um fato específico, como o casamento ou a chegada a certa idade.
Exemplo: Carlos deixa dinheiro para Marcos, mas, se Marcos se casar antes dos 40 anos, o dinheiro vai para Luísa.”.
A substituição testamentária possui função preventiva e organizacional, assegurando que o testamento produza efeitos mesmo diante de eventualidades que poderiam torná-lo parcialmente ineficaz, como a morte de um herdeiro antes do testador.
Além disso, permite ao testador manter o controle sobre o destino de seus bens, evitando que a ausência de um herdeiro leve à aplicação da sucessão legítima indesejada ou à distribuição dos bens a herdeiros não contemplados.
Caso o testador não preveja a substituição e o legatário venha a falecer antes da abertura da sucessão, aplica-se a regra do artigo 1.939, inciso V do Código Civil, que determina a caducidade do legado, ou seja, sua perda de eficácia. Vejamos:
“Art. 1.939. Caducará o legado:
I – se, depois do testamento, o testador modificar a coisa legada, ao ponto de já não ter a forma nem lhe caber a denominação que possuía;
II – se o testador, por qualquer título, alienar no todo ou em parte a coisa legada, nesse caso, caducará até onde ela deixou de pertencer ao testador;
III – se a coisa perecer ou for evicta, vivo ou morto o testador, sem culpa do herdeiro ou legatário incumbido do seu cumprimento;
IV – se o legatário for excluído da sucessão, nos termos do art. 1.815;
V – se o legatário falecer antes do testador.”. (grifo nosso).
Nesse cenário, o bem objeto do legado será redistribuído entre os herdeiros, conforme as regras da sucessão legítima, ou poderá beneficiar os coerdeiros testamentários, dependendo do contexto do testamento.
Importante destacar que, se o legatário falecer após a abertura da sucessão, ou seja, após a morte do testador, seus herdeiros poderão receber o legado por direito de transmissão, conforme previsto no art. 1.791 do Código Civil.
A substituição testamentária é, portanto, um instituto de grande relevância no planejamento sucessório, permitindo que o testador antecipe e contorne possíveis obstáculos à concretização de sua vontade. Por essa razão, sua correta utilização exige atenção técnica e conhecimento jurídico, sendo sempre recomendável que o testador conte com o apoio de um profissional especializado na área.
Autora: Gabriela de Mattos Fraceto, advogada, pós-graduada em direito processual civil.