A criminalização da apropriação Indébita de ICMS - Barrichelo, Masson e Venâncio

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A criminalização da apropriação Indébita de ICMS

06/2024

O ICMS (Imposto de Circulação de Mercados e Serviços) é um dos principais tributos estaduais no Brasil e representa a maior parcela da arrecadação das unidades federativas brasileiras.

Trata-se de um imposto que incide sobre a circulação de mercadorias, serviços de transporte interestadual e intermunicipal e comunicação, cuja arrecadação é crucial para os Estados, pois financia diversas atividades e serviços públicos.

Contudo, a apropriação indébita de ICMS, onde empresas retêm o imposto em vez de repassá-lo ao fisco, tem se tornado uma prática frequente, gerando debates sobre sua natureza jurídica e penal.

Definição e Caracterização

A apropriação indébita de ICMS ocorre quando uma empresa ou indivíduo, que coleta o imposto de terceiros (como consumidores ou clientes), não realiza o repasse integral ou parcial desse valor aos cofres públicos dentro do prazo legal estabelecido.

Isso significa que o ICMS, embora cobrado dos destinatários finais das mercadorias ou serviços, não é repassado ao fisco estadual conforme exigido por lei.

Base Legal

A base legal para a tipificação desse crime se encontra principalmente no Código Penal Brasileiro, em especial no artigo 168-A, que trata da apropriação indébita tributária:

Art. 168-A – Deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.

Além do Código Penal, diversas legislações estaduais e federais complementam a regulação sobre o recolhimento do ICMS.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já proferiu diversas decisões reconhecendo a conduta como criminosa, ressaltando que a retenção do imposto caracteriza apropriação indébita tributária.

Um exemplo significativo é o julgamento do Recurso Especial 1.915.003 – SC (2019/0260102-9), onde o STJ decidiu que a apropriação indébita de ICMS configura crime, conforme a seguinte decisão:

PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO ESPECIAL. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE ICMS. ART. 2º, II, DA LEI 8.137/90. CONFIGURAÇÃO DO DELITO. TIPO PENAL QUE NÃO SE CONFUNDE COM MERO INADIMPLEMENTO FISCAL. DOLO ESPECÍFICO. NECESSIDADE DE APROPRIAÇÃO DOS VALORES DO TRIBUTO. RECURSO PROVIDO.

  1. A conduta de deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo cobrado, na qualidade de sujeito passivo da obrigação, configura o crime de apropriação indébita tributária, conforme previsto no art. 2º, II, da Lei 8.137/90.
  2. Para a configuração do delito, exige-se a presença de dolo específico, ou seja, a intenção de apropriar-se dos valores do tributo, caracterizando-se a ilicitude material da conduta.
  3. Recurso especial provido.

Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) também se manifestou sobre o tema, consolidando a posição de que a prática configura crime. Abaixo, a decisão:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA DE ICMS. EMPRESA QUE COBRA O TRIBUTO DOS ADQUIRENTES DE MERCADORIAS OU SERVIÇOS E NÃO REPASSA AOS COFRES PÚBLICOS. CRIME PREVISTO NO ART. 2º, II, DA LEI 8.137/1990. CONFIGURAÇÃO. TIPO PENAL QUE NÃO SE CONFUNDE COM MERO INADIMPLEMENTO FISCAL. NECESSIDADE DE DOLO ESPECÍFICO DE APROPRIAR-SE DOS VALORES DO TRIBUTO. ILICITUDE MATERIAL. RECURSO DESPROVIDO.

  1. O contribuinte de direito que deixa de recolher aos cofres públicos o valor do ICMS cobrado dos adquirentes de mercadorias ou serviços, com dolo de apropriação, pratica o crime previsto no art. 2º, II, da Lei 8.137/1990, não se tratando de mero inadimplemento fiscal.
  2. Para a configuração do delito é necessário o dolo específico de apropriar-se do valor do tributo, o que caracteriza a ilicitude material da conduta.
  3. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.

Elementos do Crime

Para a configuração do crime de apropriação indébita de ICMS, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos:

  1. Haja cobrança do ICMS: O tributo deve ter sido efetivamente cobrado do consumidor.
  2. O não repasse seja intencional: A empresa deve ter a intenção de se apropriar do valor, ou seja, não se trata de um mero atraso ou erro administrativo.
  3. Existência de dolo: É preciso provar que houve dolo, ou seja, a intenção de não repassar o imposto ao fisco.

Consequências

As consequências para quem pratica a apropriação indébita de ICMS são severas. As penalidades incluem:

  • Penalidades Criminais: Conforme previsto no artigo 168-A do Código Penal, a pena para apropriação indébita de ICMS é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. A reclusão é uma pena privativa de liberdade, aplicada em regime inicialmente fechado, semiaberto ou aberto, dependendo da gravidade do crime e dos antecedentes do condenado.
  • Sanções Administrativas: Além das penalidades criminais, as empresas podem enfrentar sanções administrativas e fiscais, como autuações, multas adicionais e outras penalidades impostas pelo fisco estadual. Essas sanções incluem a cobrança do valor devido acrescido de juros, multas e correção monetária.
  • Responsabilidade dos Sócios: Em alguns casos, os sócios e administradores da empresa podem ser responsabilizados pessoalmente pelo não repasse do ICMS, especialmente se ficar comprovado que agiram com dolo ou má-fé.

Medidas de Prevenção

Para evitar a prática de apropriação indébita de ICMS, as empresas podem adotar diversas medidas preventivas, tais como:

  1. Planejamento Financeiro: Realizar um planejamento financeiro eficaz para garantir que os recursos destinados ao pagamento do ICMS sejam reservados adequadamente. Isso inclui uma análise cuidadosa do fluxo de caixa e a alocação de fundos específicos para o pagamento de tributos.
  2. Parcelamento de Dívidas: Em casos de dificuldades financeiras, buscar opções de parcelamento de dívidas junto ao fisco. Muitos estados oferecem programas de parcelamento que permitem o pagamento do ICMS em condições mais favoráveis, evitando a inadimplência e possíveis penalidades criminais.
  3. Uso de Tecnologia: Utilizar softwares de gestão financeira e contábil que auxiliem no controle rigoroso das obrigações tributárias. Sistemas automatizados podem garantir a precisão no cálculo e no repasse do ICMS, além de alertar para prazos e montantes devidos, minimizando o risco de erros e omissões.

Considerações Finais

A apropriação indébita de ICMS não só prejudica os cofres públicos, mas também afeta a sociedade como um todo, uma vez que compromete a arrecadação necessária para financiar serviços essenciais.

É imperativo que as empresas adotem práticas responsáveis e éticas, garantindo a correta apuração, cobrança e repasse do ICMS. Investir em planejamento financeiro/tributário, buscar alternativas de parcelamento em casos de dificuldades e utilizar tecnologias para gestão tributária são medidas eficazes para evitar a apropriação indébita e suas severas consequências.

O cumprimento das obrigações fiscais é fundamental para a manutenção da justiça e da equidade no sistema tributário, bem como para o desenvolvimento econômico e social do país.

Autor: Lucio Nakagawa Cabrera, advogado, pós-graduado em direito tributário.

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