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Barrichelo, Masson e Venâncio - Sociedade de Advogados

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A interceptação telefônica parcial não serve como prova no processo judicial

09/2019

Dois dos princípios mais importantes de nosso direito são os do contraditório e da ampla defesa, previstos no artigo 5º, inciso LV, da nossa Constituição Federal de 1988.

Por tais princípios, podemos entender que as pessoas que fazem parte de um processo têm o direito de se pronunciarem sobre todos os argumentos e provas feitas pela parte contrária, devendo o Estado garantir a elas todos os meios legais de se defenderem.

Caso contrário, jamais iremos alcançar a justiça pretendida dentro de um país justo e civilizado.

Para muitos, ver uma pessoa condenada causa uma sensação de paz em nossa sociedade, porém, se tal paz foi alcançada de maneira contrária às normas legais, ela é ilusória. Em direito (e na vida) uma ilegalidade não justifica a outra.

Feitas essas considerações, recentemente o Superior Tribunal do Justiça (STJ), através da sua 6ª Turma, analisou o Recurso Especial nº 1.795.341 – RS (2018/0251111-5), interposto por réus em um processo criminal, contra uma decisão do Tribunal de 2ª Instância, que os condenou e julgou como válida apenas parte dos áudios de interceptações telefônicas que foram cruciais para o descobrimento dos alegados delitos.

Durante o processo a defesa requereu a análise da integralidade dos áudios frutos das interceptações telefônicas, a fim de que no processo não constasse apenas parte dos áudios selecionada pela acusação.

Com base nos princípios acima explicados, se uma prova está sendo utilizada para condenar alguém, essa pessoa tem direito de ter acesso a todo o conteúdo da prova, e não apena a fragmentos selecionados, os quais impedem o conhecimento da história como um todo.

Foi exatamente nesse sentido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento de recurso há pouco citado, com decisão proferida em 07/05/2019.

 

Vejamos:
“Dessa forma, tratando-se a presente hipótese de falta de acesso à integralidade da interceptação telefônica e não da falta de transcrição ou degravação integral das conversas obtidas, patente a nulidade.

 

De fato, a apresentação de parcela do produto extraído dos áudios, cuja filtragem foi estabelecida sem a presença do defensor, acarreta ofensa ao princípio da paridade de armas e ao direito à prova, porquanto a pertinência do acervo probatório não pode ser realizado apenas pela acusação, na medida em que gera vantagem desarrazoada em detrimento da defesa.”

Com referido entendimento, os Ministros do STJ decidiram por anular a prova existente no referido processo, situação que levou à absolvição dos acusados, já que o retorno do processo para 1ª Instância seria inviável no caso concreto, pelo decurso do tempo, e ocorrência da prescrição.

Situações processuais como essas acabam por causar impressão negativa em parte da população leiga acerca dos princípios constitucionais. Entretanto, o respeito às regras do jogo é algo fundamental num Estado Democrático de Direito, pois só assim abusos são evitados.

Em que pese os tempos atuais que vivemos, onde há um clamor da população para que seja dado um fim à criminalidade, a Justiça não pode ser feita de maneira arbitrária, ditatorial, divorciada das regras legais.

O respeito aos princípios constitucionais é algo fundamental para que possa ser possível o nosso convívio em sociedade.

O momento pelo qual passa um país, sua situação econômica ou mesma sua sede de Justiça, não pode servir para ultrapassarmos princípios básicos do direito, existentes há centenas de anos e responsáveis pela construção do que somos atualmente como sociedade.

Só quem já se viu envolvido injustamente em um processo judicial sabe o quão importante é que sejam respeitadas as regras do jogo.

Ainda acerca do julgado do STJ, os Ministros entenderam que a ausência da gravação total da interceptação telefônica permitiria a existência de diálogos descontextualizados, tirando a legalidade da prova obtida para a acusação.

Após referida decisão, a acusação ingressou com recurso para o Supremo Tribunal Federal, o qual irá reanalisar tal questão e, tratando-se de clara afronta a princípios da nossa Constituição, é pouco provável que o STF, justamente o tribunal responsável por fazer cumprir a Constituição, modifique a decisão da 6ª Turma do STJ.

Devemos sempre torcer para que sejam respeitadas as diretrizes de um estado democrático de direito, de modo que o processo penal não vire uma loteria para a acusação, mas sim que o processo respeite plenamente as normas legais.

Autor: Álvaro Henrique El Takach de Souza Sanches, advogado, especialista em ciências penais.

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