Alteração de Regime Matrimonial: É possível?

Barrichelo, Masson e Venâncio - Sociedade de Advogados

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Alteração de Regime Matrimonial: É possível?

09/2022

O casamento é um importante marco na vida afetiva de um indivíduo, contudo, não é desarrazoado dizer que mais importante ainda são os efeitos que esse negócio jurídico traz na esfera patrimonial.

Isso porquê, quando nos casamos com alguém é possível escolhermos qual será o regime de bens que regerá aquela relação jurídica, ou melhor dizendo, elegeremos o que é que acontecerá com o patrimônio que já possuímos e com aquele que viermos a adquirir no futuro.

Embora haja situações em que o regime de bens aplicável a um determinado casal seja estabelecido pela lei, – como no caso em que um dos cônjuges seja pessoa maior de 70 anos -, a legislação é no sentido de que caberá as partes, antes de celebrado o casamento, estipular o que melhor lhes convier sobre os seus bens.

O Código Civil enumera os seguintes regimes matrimoniais: i) comunhão parcial (arts. 1.658 a 1.666); ii) comunhão universal (arts. 1.667 a 1.671); iii) participação final nos aquestos (arts. 1.672 a 1.686); iv) separação de bens (arts. 1.687 a 1.688) e v) separação obrigatória de bens (art. 1.641).

No entanto, não é incomum que as partes, passados alguns anos e algumas situações, agradáveis ou não, se deparem com a conclusão de que deveriam ter adotado outro regime matrimonial para o seu casamento do que aquele escolhido à época.

Ao contrário do que muitos pensam, a lei possibilita a alteração do regime de bens após o casamento. Vejamos:

“Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.
§ 1º O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento.

§ 2º É admissível a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivo de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros.”. (grifo nosso).

O procedimento a ser realizado para a alteração do regime matrimonial está elencado no art. 734 e seus parágrafos do Código de Processo Civil.
Em suma, são esses os requisitos para a alteração:

(i) Petição direcionada ao juiz e assinada por ambos os cônjuges, na qual serão expostas as razões que justificam a alteração do regime, ressalvado os direitos de terceiros; e
(ii) Publicação de edital ou outro meio alternativo de divulgação em que a alteração do regime de bens seja publicizada a terceiros, os quais podem se opor ao pedido, caso haja fundado motivo.
Cumpridas as formalidades acima, o juiz decidirá a ação e, uma vez autorizada a mudança, haverá a expedição de mandados de averbação aos Cartórios de Registro Civil, de Imóveis e, caso qualquer dos cônjuges seja empresário, ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins.

A jurisprudência andou bem no sentido de que não é necessário que o casal se alongue em sua justificativa e apresente um rol discriminado de seus bens, eis que não cabe ao Poder Judiciário ser fiscal da vida íntima, mas tão somente deve ser demonstrado que o intuito da alteração não é prejudicar o direito de terceiros, especialmente credores.

Uma maneira eficiente de demonstrar boa-fé é a apresentação pelo casal de certidões negativas de tributos, protestos, ações judiciais, etc.
Outro aspecto importante é o efeito temporal dessa alteração.

Em que pese o legislador não tenha indicado expressamente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é pacífica de que a alteração no regime matrimonial produz efeitos ex nunc.
Isso significa dizer que os bens adquiridos antes da decisão judicial que autoriza a mudança de regime devem permanecer sob as regras do regime anterior, ou seja, a autorização judicial abarcará apenas os atos jurídicos praticados após a sentença.

Embora tenhamos falado sobre a alteração de regime matrimonial, é importante destacar a possibilidade de alteração do regime de bens de uma união estável.
Como é de conhecimento notório, a união estável também traz efeitos na esfera patrimonial do casal, sendo que, no silêncio destes, aplicar-se-á o regime da comunhão parcial de bens, nos termos do art. 1.725 do Código Civil, in verbis:

“Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.”.
Como a união estável é uma sociedade de fato e, por assim dizer, não traz consigo toda a contratualidade de um casamento, a jurisprudência tem admitido que a alteração do regime da união seja feita diretamente pelos companheiros, mediante instrumento particular ou escritura pública, sem necessidade de judicialização.
Vejamos recentes julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo:

“RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. Insurgência contra sentença de parcial procedência dos pedidos de três ações ajuizadas pelas partes. Sentença mantida. Alimentos. Ex-companheira, em princípio, tem condições de se manter sem auxílio material, pois aufere renda própria, ainda que valor não seja elevado. Alteração de regime de bens de união estável. Possibilidade por meio de contrato escrito com efeitos “ex-nunc”. Precedente. Ausência de nulidade das disposições futuras contidas no acordo celebrado em 20.4.2015. Desconsideração inversa da personalidade jurídica. Ausência de demonstração de que o varão teria se valido da pessoa jurídica com a intenção de prejudicar direitos de partilha da sua companheira. Indenização por dano moral decorrente de agressões. Valor adequadamente fixado em primeiro grau (R$ 30.000,00), não comportando majoração, apesar da fortuna pessoal do agressor. Honorários sucumbenciais. Acertado reconhecimento de sucumbência recíproca e a fixação por equidade, considerando a existência de diversas demandas entre as partes, nem sempre com conteúdo patrimonial direto, a amplitude dos pedidos formulados e dos provimentos. Recurso desprovido.”. (TJ-SP – AC: 10022170620168260659 SP 1002217-06.2016.8.26.0659, Relator: Carlos Alberto de Salles, Data de Julgamento: 19/05/2020, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/05/2020). (grifo nosso).

Ou ainda:

“APELAÇÃO – – UNIÃO ESTÁVEL – REGIME DE BENS – MODIFICAÇÃO – EFICÁCIA EX NUNC – Caso em que a união estável teve início e término sob a vigência do CC/2002 – Casal que optou pelo regime supletivo da comunhão parcial ao não expressar vontade diversa quando do início da união estável – Art. 1.725, CC – Aquisição pelo varão de um único imóvel sob o regime da comunhão parcial, que implicou imediata comunicação à companheira, em igual proporção – Posterior celebração de contrato de união estável em escritura pública na qual pactuado o regime da separação de bens desde o início da união – Inadmissibilidade – Violação de normas de ordem pública – Pretensão de deixar a companheira sem o patrimônio já titularizado sob o regime vigente na época da aquisição – Novo regime de bens que tem eficácia ex nunc – Doutrina e jurisprudência – Sentença reformada – DERAM PROVIMENTO AO RECURSO.”. (TJ-SP – AC: 10219920420178260002 SP 1021992-04.2017.8.26.0002, Relator: Alexandre Coelho, Data de Julgamento: 03/06/2020, 8ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/06/2020). (grifo nosso).

No entanto, assim como exigível para o casamento, a alteração de regime de bens da união estável também opera efeitos ex nunc, ou seja, o novo regime apenas valerá para o patrimônio a ser amealhado dali em diante, de modo a proteger os próprios companheiros e terceiros.

Autora: Gabriela de Mattos Fraceto, advogada, pós-graduada em processo civil.

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