Entendendo os Institutos da Ausência e Morte Presumida

Barrichelo, Masson e Venâncio - Sociedade de Advogados

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Entendendo os Institutos da Ausência e Morte Presumida

05/2023

De acordo com o Mapa dos Desaparecidos no Brasil, estudo divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 22/05/2023, cerca de 183 pessoas desaparecem por dia no país.
O estudo revela que esse número pode ser ainda maior, considerando que o Brasil ainda não conta com um cadastro nacional para contabilizar esses casos, em que pese tenha sido sancionada a Lei da Política Nacional de Busca de Pessoas Desaparecidas (Lei nº 13.182/2019), a qual prevê a criação do “Cadastro Nacional de Pessoas Desaparecidas” – CNPD.

A partir dessa premissa, fica a dúvida: Quais os efeitos jurídicos do desaparecimento de uma pessoa?
O Código Civil Brasileiro tratou de prever as mais diversas possibilidades de fatos e atos jurídicos que podem ocorrer com a pessoa natural ao longo de sua vida, seja antes mesmo do nascimento, ao proteger os direitos do nascituro, passando pelo alcance da capacidade civil, casamento, divórcio, celebração de negócios jurídicos e, ao final, tratou da morte e atos sucessórios.
O desaparecimento, por sua vez, não escapou do olhar do legislador.

Conforme prevê o art. 6º do Código Civil, a existência da pessoa natural termina com a morte, presumindo-se a ocorrência desta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.

Segundo o ensinamento do jurista Pablo Stolze, a ausência é “um estado de fato, em que uma pessoa desaparece de seu domicílio, sem deixar qualquer notícia.”. (Pablo Stolze, 2005, p. 140). Dessa forma, é considerado como ausente o indivíduo que desapareceu, voluntariamente ou não.
O Capítulo III do Código Civil trata da ausência e divide o procedimento em 03 importantes etapas: a curadoria dos bens do ausente (arts. 22 a 25); a sucessão provisória (arts. 26 a 36) e, por fim, a sucessão definitiva (arts. 37 a 39).

Na primeira etapa, caberá a qualquer interessado ou ao Ministério Público informar ao juiz sobre o desaparecimento de uma pessoa e, não tendo ela deixado nenhum procurador para administrar seus bens, será declarada a sua ausência e nomeado curador.

Regra geral, o curador da pessoa desaparecida será o cônjuge ou companheiro, salvo se separado judicialmente ou de fato há mais de 02 anos, nomeando-se como curador, nesses casos, os ascendentes ou descendentes, sendo que entre os descendentes os mais próximos precedem os mais remotos.
Passado 01 ano da arrecadação dos bens do ausente e nomeação de seu curador, não tendo o indivíduo reaparecido, torna-se menos provável o seu retorno e aumenta a probabilidade de o ausente ter falecido.

Com isso, inicia-se a segunda etapa, a qual consiste na sucessão provisória dos bens do ausente, com o arrolamento de bens e herdeiros, os quais serão emitidos na posse do patrimônio.
Caso os herdeiros sejam o cônjuge/companheiro, ascendentes ou descendentes, a imissão na posse dos bens do ausente não exigirá o oferecimento de qualquer garantia, sendo que todos os frutos e rendimentos dos bens passarão a pertencer aos herdeiros.

Todavia, na hipótese de os herdeiros do ausente não serem as pessoas acima elencadas, a imissão na posse dos bens dependerá da prestação de garantia, mediante penhores ou hipotecas equivalentes ao valor do quinhão a que eles teriam direito.

Sobre os frutos e rendimentos, pertencerá a esses herdeiros apenas a metade dos valores, sendo que a outra parte deverá ser capitalizada, com a prestação de constas anualmente ao juiz.
Contudo, independentemente de quem forem os herdeiros, a alienação de bens imóveis sempre dependerá de prévia autorização judicial.
A etapa da sucessão provisória perdura por 10 anos, sendo que, reaparecendo o ausente neste momento, ele retomará a posse de todos os seus bens.
Verificado que o seu desaparecimento foi voluntário e injustificado, o ausente perderá, em favor dos herdeiros, todos os frutos e rendimentos capitalizados.
Após 10 anos do trânsito em julgado da sentença que concedeu a abertura da sucessão provisória, os interessados poderão requerer o início da terceira etapa, a saber, a abertura da sucessão definitiva.

Neste momento, todas as cauções prestadas já poderão ser levantadas.
Na remota hipótese de o ausente reaparecer no prazo de 10 anos a contar da abertura da sucessão definitiva, ele ainda terá o direito de retomar a propriedade dos seus bens, todavia, os receberá no estado em que se encontrarem, aqueles sub-rogados em seu lugar ou o preço que os herdeiros houverem recebido por sua alienação.

Se não for promovida a abertura da sucessão definitiva pelos herdeiros e interessados no prazo de 10 anos, os bens do ausente passarão ao domínio do Município ou Distrito Federal, onde estejam localizados, ou ao domínio da União nos casos em que o bem esteja situado em território federal.

Muito embora o procedimento de declaração de ausência exija o cumprimento de 03 etapas (curadoria dos bens do ausente, sucessão provisória e sucessão definitiva), a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, em julgamento proferido na data de 19/10/2021, entendeu pela possibilidade de abertura direta da sucessão definitiva, dispensando-se a provisória, nos casos em que o ausente seja pessoa com mais de 80 anos de idade e esteja desaparecido há mais de 05 anos. Vejamos:

“CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA. ABERTURA DE SUCESSÃO PROVISÓRIA OU DEFINITIVA. REGRA DO ART. 37 DO CC/2002 QUE PRESSUPÕE A EXISTÊNCIA DE SUCESSÃO PROVISÓRIA COMO CONDIÇÃO PARA A DEFINITIVA. REGRA DO ART. 38 DO CC/2002, CONTUDO, QUE SE CONSUBSTANCIA EM HIPÓTESE AUTÔNOMA DE SUCESSÃO DO AUSENTE. ABERTURA DA SUCESSÃO DEFINITIVA SE PRESENTES OS REQUISITOS DO ART. 38 DO CC/2002. POSSIBILIDADE. PRESUNÇÃO DE MORTE DO AUTOR DA HERANÇA DIANTE DO PREENCHIMENTO CUMULATIVO DOS REQUISITOS LEGAIS – SER OCTOGENÁRIO AO TEMPO DO REQUERIMENTO E ESTAR DESAPARECIDO HÁ PELO MENOS 05 ANOS. PRESERVAÇÃO DOS INTERESSES DO PRESUMIVELMENTE MORTO POR 10 ANOS, DIANTE DA REGRA DO ART. 39 DO CC/2002. TRANSMISSÃO DA PROPRIEDADE SOB CONDIÇÃO RESOLUTÓRIA.

1- Ação ajuizada em 20/08/2015. Recurso especial interposto em 11/08/2020 e atribuído à Relatora em 03/03/2021.
2- O propósito recursal é definir se, presentes os requisitos do art. 38 do CC/2002, é indispensável a prévia abertura da sucessão provisória ou se, ao revés, é admissível a abertura da sucessão definitiva direta e independentemente da provisória.
3- Apenas a regra do art. 37 do CC/2002 pressupõe a existência da sucessão provisória como condição para a abertura da sucessão definitiva, ao passo que a regra do art. 38 do CC/2002, por sua vez, é hipótese autônoma de abertura da sucessão definitiva, de forma direta e independentemente da existência, ou não, de sucessão provisória.
4- A possibilidade de abertura da sucessão definitiva se presentes os requisitos do art. 38 do CC/2002 decorre do fato de ser absolutamente presumível a morte do autor da herança diante da presença, cumulativa, das circunstâncias legalmente instituídas – que teria o autor da herança 80 anos ao tempo do requerimento e que tenha ele desaparecido há pelo menos 05 anos.
5- Conquanto a abertura da sucessão definitiva transmita a propriedade dos bens aos herdeiros, a regra do art. 39 do CC/2002 ainda preserva, por mais 10 anos, os virtuais interesses daquele cuja morte se presume, pois, havendo um improvável regresso, extinguir-se-á a propriedade pela condição resolutória consubstanciada no retorno do ausente.
6- Hipótese em que o autor da herança possuiria, hoje, 81 anos de idade e está desaparecido há 21 anos, razão pela qual não há óbice à abertura da sucessão definitiva, nos moldes previstos no art. 38 do CC/2002.
7- Recurso especial conhecido e provido.”. (grifo nosso).

Em que pese a existência de precedente do STJ, a jurisprudência ainda não é pacífica sobre a possibilidade da dispensa da sucessão provisória.
O Código Civil também traz a possibilidade de o indivíduo ser declarado como presumidamente morto sem a necessidade de ser decretada a sua ausência. Vejamos a redação do art. 7º, in verbis:

“Art. 7º. Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:
I – se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;
II – se alguém, desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra.
Parágrafo único. A declaração da morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.”.

Podemos citar como exemplos de morte presumida o desaparecimento de pessoas envolvidas em acidentes aéreos, grandes incêndios e, inclusive, houve o reconhecimento da morte presumida dos desaparecidos envolvidos na tragédia ocorrida em Brumadinho/MG.
Nos casos em que a morte foi presumida sem a decretação de ausência, os herdeiros já poderão ingressar com o competente inventário e transmitir a propriedade dos bens do falecido para seus sucessores, evitando-se a necessidade de aguardar os longínquos prazos do procedimento de ausência.

Autora: Gabriela de Mattos Fraceto, advogada, pós-graduada em processo civil.

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