A Importância das Provas Digitais na Justiça do Trabalho e Precauções com a Lei Geral de Proteção de Dados
11/2024
As provas digitais têm ganhado destaque nos processos trabalhistas, especialmente com o aumento do tele trabalho e a transformação digital nas empresas. A coleta de provas digitais, como registros de mensagens, e-mails, dados de geolocalização e monitoramento de atividades em dispositivos corporativos, tem proporcionado uma maneira mais eficaz e precisa de comprovar questões como jornada, produtividade e conformidade das condições de trabalho. Porém, a coleta e o uso desses dados precisam ser manejados com cautela para evitar violação dos direitos de privacidade dos trabalhadores, conforme prevê a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD).
1. Tipos de Provas Digitais e Suas Aplicações na Justiça do Trabalho
Existem vários tipos de provas digitais que podem ser utilizados em processos trabalhistas, sendo que cada uma apresenta características, finalidades e restrições próprias. Entre os principais tipos de provas digitais estão:
Registros de e-mails e mensagens eletrônicas: São fundamentais para verificar comunicações entre empregador e empregado, esclarecer orientações e instruções fornecidas, assim como evidenciar conflitos, caso tenham ocorrido, ou mesmo exigências fora do expediente, que podem configurar hora extra.
Dados de geolocalização: Essa prova é particularmente relevante no tele trabalho e em cargos externos. O uso do GPS, por exemplo, permite comprovar onde o colaborador esteve, a fim de validar locais e horários de trabalho. Contudo, o monitoramento constante pode ser considerado invasivo e precisa de justificativas objetivas para sua utilização em um processo.
Registros de logins e logouts: São usados para verificar o horário de início e término das atividades diárias. Empresas que utilizam plataformas digitais ou redes de acesso controlado conseguem monitorar a jornada de trabalho por meio desses registros. Esse tipo de prova é útil para processos que questionam o cumprimento da jornada ou acusam o trabalhador de estar desconectado durante o expediente.
Imagens de câmeras de segurança: Provas digitais que utilizam gravações de câmeras são comuns em ambientes físicos, mas podem ser também utilizadas em home office, desde que acordadas previamente e respeitem a privacidade do trabalhador. As imagens podem ser usadas para comprovar a presença ou comportamento de um colaborador em determinado momento, mas há limites rigorosos para evitar invasões de privacidade.
Aplicativos e softwares de produtividade: Algumas empresas utilizam ferramentas de monitoramento de atividades que registram o uso de aplicativos, movimentação do mouse, ou tempo em uma tarefa específica. Esses registros podem auxiliar na comprovação da dedicação ao trabalho durante o expediente, mas o uso de softwares invasivos que acompanhem cada ação do colaborador pode ser contestado.
Mensagens instantâneas e mídias sociais: Aplicativos como WhatsApp e Telegram são amplamente usados para comunicações rápidas, mas sua utilização no trabalho exige cautela. Em processos trabalhistas, capturas de tela ou transcrições de mensagens podem servir como provas, porém, o tratamento de dados contidos nessas comunicações deve seguir as normas da Lei Geral de Proteção de Dados.
2. Vantagens das Provas Digitais na Justiça do Trabalho
As provas digitais oferecem maior precisão e segurança para processos trabalhistas, pois:
Facilitam a comprovação da jornada: A marcação eletrônica de ponto e os registros de login/logout contribuem para definir com exatidão o início e o término da jornada, minimizando incertezas ou inconsistências nas provas testemunhais.
Reduzem a dependência de testemunhas: Em casos onde a comunicação ocorre majoritariamente por meios digitais, as provas digitais podem substituir, ou complementar, os depoimentos de testemunhas, que muitas vezes estão sujeitas a falhas de memória ou parcialidade.
Proporcionam evidências objetivas: Dados como localizações registradas, e-mails trocados e uso de aplicativos proporcionam uma base objetiva para sustentar alegações de ambas as partes, especialmente em casos de desentendimentos sobre a carga horária ou a presença física do colaborador em determinado lugar.
3. Precauções Necessárias Frente à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD)
A LGPD impõe às empresas obrigações importantes no tratamento de dados pessoais dos empregados, incluindo dados coletados para monitoramento e controle de atividades laborais. O não cumprimento dessas exigências pode resultar em penalidades legais e em violações dos direitos dos trabalhadores. Entre as principais precauções, destacam-se:
Princípio da Necessidade: De acordo com a LGPD, a coleta e o tratamento de dados devem ser limitados ao necessário para o cumprimento de um objetivo específico. No contexto trabalhista, o monitoramento digital deve ser restrito aos aspectos necessários para gestão do trabalho e não deve incluir dados excessivos que não tenham utilidade direta.
Finalidade e Transparência: É fundamental que os trabalhadores estejam cientes do monitoramento ao qual são submetidos, inclusive quais dados são coletados, para quais finalidades, e como serão utilizados. A empresa deve ser transparente e estabelecer uma política clara de privacidade que indique os tipos de monitoramento e as razões para a coleta de cada dado.
Respeito à Privacidade: A LGPD ressalta que a coleta de dados não deve invadir a privacidade do colaborador fora do ambiente ou do horário de trabalho. A empresa deve garantir que os dispositivos de monitoramento, como rastreadores de GPS ou softwares de produtividade, possam ser desativados fora do expediente.
Consentimento e Legitimação: Em situações onde o consentimento é requerido, como para o uso de determinadas tecnologias de monitoramento, é necessário que o trabalhador o faça de forma livre, o que pode ser contestado pela assimetria da relação trabalhista. Dessa forma, as empresas devem buscar legitimação para o monitoramento com base em interesse legítimo, sempre ponderando se a privacidade do colaborador está sendo preservada.
4. Práticas Recomendadas para as Empresas no Uso de Provas Digitais
Para evitar possíveis sanções e garantir a validade das provas digitais em um processo trabalhista, as empresas devem seguir práticas que alinhem suas políticas de monitoramento às exigências da LGPD e do direito do trabalho:
Estabelecer Políticas Claras de Monitoramento: Um regulamento interno bem estruturado que esclareça as regras e a finalidade de cada tipo de monitoramento é essencial. Essa política deve ser comunicada aos colaboradores de forma clara e acessível.
Treinamento e Conscientização: As empresas devem promover treinamentos regulares sobre a LGPD e o uso adequado de dados pessoais no contexto de monitoramento digital. Isso ajuda os colaboradores a compreenderem a importância da coleta de dados e os limites de seu uso.
Utilizar Ferramentas de Monitoramento com Restrições: A empresa deve evitar o uso de ferramentas que rastreiem o colaborador de forma contínua. Softwares com recursos de filtro, que permitem o monitoramento apenas nos períodos e locais relevantes para o trabalho, são alternativas mais adequadas. Garantir Segurança e Sigilo dos Dados: Proteger os dados coletados contra acessos não autorizados e garantir que apenas pessoas com necessidade direta de acesso possam manipulá-los é um ponto importante para proteger a privacidade dos colaboradores. Isso pode ser feito por meio de sistemas de criptografia e controle de acessos.
5. Jurisprudência e a Validade das Provas Digitais
A jurisprudência trabalhista tem evoluído para aceitar provas digitais, desde que estas estejam em conformidade com princípios como necessidade e proporcionalidade. Decisões recentes ressaltam que, para que provas de geolocalização ou registros de atividades em dispositivos corporativos sejam válidas, devem respeitar a intimidade e a privacidade dos trabalhadores.
Um exemplo destacado no conteúdo da apresentação é a exigência de uso de ferramentas como o programa VERITAS, que permite filtrar as informações e reduzir os dados ao específico espaço de interesse judicial, preservando a privacidade dos colaboradores.
Nesse sentido, tem-se a decisão recente da II Subseção Especializada em Dissídios Individuais do TST nos autos ROT-23218-21.2023.5.04.0000 em que admitiu o uso de dados de geolocalização como prova em processos trabalhistas, equilibrando o direito à privacidade do trabalhador com a necessidade de apuração da verdade processual. Para ser válida, essa prova deve seguir os princípios de adequação, necessidade e proporcionalidade, limitando o monitoramento ao mínimo necessário para o caso, como durante o horário e no local de trabalho.
O uso de ferramentas específicas, como o programa VERITAS, que filtra informações para reduzir a invasão de privacidade, é recomendado. Além disso, para proteger os dados pessoais, o processo deve tramitar em segredo de justiça, garantindo o acesso restrito a essas informações.
Em relação às gravações por câmeras, tribunais têm sido cautelosos, permitindo seu uso apenas em casos em que a empresa consiga demonstrar a necessidade de monitoramento e a concordância prévia do colaborador, especialmente em ambientes de home office, onde a vigilância contínua pode invadir a privacidade pessoal do trabalhador.
6. Conclusão
As provas digitais representam um avanço significativo para a Justiça do Trabalho, fornecendo ferramentas objetivas e precisas para a resolução de conflitos trabalhistas. Entretanto, seu uso exige um equilíbrio delicado entre os direitos de privacidade do colaborador e o direito das empresas de fiscalizar o cumprimento das obrigações trabalhistas. A conformidade com a LGPD é essencial para garantir que a coleta de dados ocorra de maneira ética, transparente e legal, minimizando riscos de litígios e sanções regulatórias.
As empresas devem adotar uma abordagem consciente e planejada para o uso de provas digitais, investindo em políticas e tecnologias que respeitem os direitos dos trabalhadores, assegurando, assim, a validade das provas digitais em eventuais processos trabalhistas. Dessa forma, será possível utilizar as evidências digitais como aliadas na manutenção de relações laborais justas e equilibradas, promovendo um ambiente de trabalho transparente e seguro para todos.
Autora: Ana Carolina Boaretto Maistro Fabretti, advogada e economista.