Medidas coercitivas para pagamento de dívidas
09/2023
Um dos problemas mais recorrentes do nosso Poder Judiciário é a dificuldade que o credor tem para encontrar bens do devedor, que sejam passíveis de penhora e, assim, conseguir receber aquilo que a Justiça entende que lhe é devido.
Na prática, é muito comum alguém ingressar com uma ação de cobrança, sagrar-se vencedor, porém, não conseguir receber do devedor aqui que uma sentença judicial entendeu como devido. É o famoso: Ganhou, mas não levou.
Como maneira de solucionar tal situação, a nossa Justiça tem se atentado cada vez mais em estabelecer medidas coercitivas que pressionem o devedor a quitar suas dívidas e, assim, não apenas satisfazer o crédito do credor, mas também colocar fim à uma imensidão de processos que se arrastam por anos em decorrência de dívidas inadimplidas.
Há pouco tempo atrás existia em nosso ordenamento jurídico a prisão civil do depositário infiel, ou seja, aquele que comprava um bem que possuía o gravame de alienação fiduciária e não pagasse o financiamento de tal bem, seria preso caso o bem não fosse localizado para fins de quitar a dívida. Era uma das modalidades de prisão civil, que já foi revogada e não existe mais. Hoje em dia em nosso país, ninguém mais pode ser preso por conta de uma dívida civil, a não ser nos casos do devedor de pensão alimentícia.
Não mais podendo ser utilizada a medida drástica da prisão, outros meios coercitivos estão sendo implementados no intuito de pressionarem, ainda mais, o devedor a quitar sua pendência financeira processual.
É assim que tem se tornado cada dia mais recorrente em nosso Poder Judiciária as penhoras salariais, suspensão de carteira de motorista (CNH), suspensão de cartões de crédito e apreensão de passaportes.
Em julgado que abordou as questões relativas à essas medidas coercitivas, o Superior Tribunal de Justiça assim as justificou:
As medidas coercitivas atípicas não modificam a natureza patrimonial da execução, mas, ao revés, servem apenas para causar ao devedor determinados incômodos pessoais que o convençam ser mais vantajoso adimplir a obrigação do que sofrer as referidas restrições impostas pelo juiz, de modo que a retenção do passaporte do devedor deve perdurar pelo tempo necessário para que se verifique, na prática, a efetividade da medida e a sua capacidade de dobrar a renitência do devedor, sobretudo quando existente indícios de ocultação de patrimônio. (HABEAS CORPUS Nº 711.194 – SP (2021/0392045-2)
A utilização de tais medidas coercitivas encontra amparo nas disposições do inciso IV do artigo 139 do Código de Processo Civil, que assim dispõe:
Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
(…)
IV – determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
De se observar que a própria lei determina, como incumbência dos juízes, que eles adotem medidas para assegurar o cumprimento da ordem judicial. Tal determinação surgiu, de maneira mais objetiva, com o novo Código de Processo Civil, que é do ano 2.015, ou seja, a tendência é que a cada dia cresça o número de decisões que estabeleçam medidas coercitivas para que o devedor pague o que é devido.
Como prova disso temos recente decisão, também do STJ, relativizando a impenhorabilidade salarial para pagamento de dívida não alimentar. Em julgado datado de 24/05/2023 o STJ entendeu “…no sentido da possibilidade de relativização da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial para pagamento de dívidas de natureza não alimentar, independentemente do montante recebido pelo devedor, desde que preservado montante que assegure sua subsistência digna e de sua família”. (EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RESP Nº 1.874.222 – DF (2020/0112194-8)).
Como se nota, a antes inimaginável penhora salarial agora deve passar a se tornar rotina em nosso ordenamento jurídico. Aqui não se trata de penhora total do salário do devedor, mas sim penhora de parte que não afete a subsistência digna dele e de sua família.
Ora, se a lei foi feita para ser cumprida, cabe à Justiça estabelecer meios para o efetivo cumprimento dela, seja através de penhora de salário, seja com outros meios, como suspensão da CNH, bloqueios de cartões de crédito, dentre outros meios legais que sirvam de pressão para que o devedor quite suas dívidas.
Por fim, é importante ressaltar que tais situações não se baseiam em critérios objetivos. Toda e qualquer medida coercitiva será avaliada de acordo com o caso concreto. Como exemplo temos que, embora possível a suspensão de CNH, dificilmente a mesma irá ocorrer em face de alguém que retire da CNH o seu sustento, como motoristas de aplicativo, caminhão, dentre outros. Do mesmo modo, aquele que ganha o mínimo para sua subsistência e possui gastos com aluguel, plano de saúde, dentre outras necessidades básicas que consomem todo seu salário, dificilmente terá uma penhora em face do seu salário.
Autor: Álvaro Henrique El Takach de Souza Sanches, advogado, especialista em ciências penais.