Multas tributárias e seu efeito confiscatório
01/2019
As multas tributárias podem ser consideradas uma pena conferida aos contribuintes por conta do descumprimento de uma obrigação legal.
Atualmente, a juridicidade deste tipo de sanção vem ganhando destaque no Direito Tributário, visto que é um tema polêmico e que abre precedentes para ser interpretado com base em argumentos subjetivos, emergindo assim a importância de se refletir sobre a viabilidade da extensão dos efeitos confiscatórios nas multas tributárias, com suporte nos direitos e às garantias constitucionais dos contribuintes.
A Constituição Federal estabelece em seu artigo 150, inciso IV, o Princípio do Não-Confisco Tributário, assim redigido: “sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: […]; IV – Utilizar tributo com efeito de confisco.”
Embora a Constituição Federal faça referência a aplicação do princípio do não-confisco somente aos tributos, encontra-se pacificado pela jurisprudência pátria que referido princípio deve ser aplicado também às multas tributárias, a fim de garantir maior proteção aos contribuintes.
A primeira justificativa da extensão dos efeitos da vedação do confisco às multas tributárias, decorre da aplicação do art. 113 do Código Tributário Nacional, que daria à multa o mesmo tratamento dos tributos.
Mencionado artigo estabelece que a obrigação tributária pode ser principal ou acessória, sendo que o parágrafo 3º dispõe que as multas fiscais, que são obrigações acessórias, quando desrespeitada, converte-se em obrigação principal, submetendo-se, por via de consequência, ao mesmo regime jurídico dos tributos.
Há ainda outra justificativa que permite a aplicação do princípio do não-confisco quando a multa for excessivamente onerosa, ultrapassando o limite da razoabilidade e proporcionalidade, como leciona Sacha Calmon Navarro Côelho: “Uma multa excessiva ultrapassando o razoável para dissuadir ações ilícitas e para punir os transgressores (caracteres punitivo e preventivo da penalidade) caracteriza, de fato, uma maneira indireta de burlar o dispositivo constitucional que proíbe o confisco.” (Teoria e prática das multas tributárias. Infrações tributárias. Sanções Tributárias. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 51-52.).
Logo, “as multas e penalidades também podem ser consideradas confiscatórias, quando aplicadas em descumprimento de normas fiscais e exorbitantes. A conclusão decorre do fato de que a obrigação tributária é composta de tributo e penalidade” (Vedação ao confisco tributário. Revista Dialética de Direito Tributário, Andréia Minussi Facin. n. 80, p. 7-19, maio 2002, p. 18).
Outro forte argumento é o direito de propriedade, garantido no art. 5º, XXII, da Constituição Federal, pois somente o processo expropriatório legitimaria a supressão da propriedade, na forma do art. 5º, XXIV da Carta Magna, e não por via de tributo ou multa, funcionando o quantum como um limitador negativo (Tributos e direitos fundamentais. José Souto Maior Borges. Relação entre tributos e direitos fundamentais. Apud Octávio Campos Fischer (coord.). São Paulo: Dialética, 2004, p. 220-221).
Desse modo, pode-se concluir que o tributo e a multa, “por terem a mesma ratio, qual seja, a proteção da propriedade privada do contribuinte, devem se submeter à dicção de uma mesma norma” (Da estendibilidade do princípio do não-confisco às multas tributárias pecuniárias. Revista Tributária e de Finanças Públicas, Leonardo e Silva de Almendra Freitas. v. 12, n. 54, p. 211-232, jan./fev. 2004, p. 230.), qual seja, ao princípio do não-confisco.
Não obstante, indispensável analisar a aplicação da vedação do confisco às multas tributárias sob a ótica do Supremo Tribunal Federal, pois de acordo com a Carta Magna, em seu art. 102, “compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição”.
Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal, através de inúmeros precedentes, vem reconhecendo a aplicação da vedação do confisco às multas tributárias, reprimindo assim qualquer aplicação dispare da legislação.
A título de exemplo, citamos os AgR-RE nº 657.372/RS, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandoswski; AgR-RE nº 776.273, de relatoria do Ministro Edson Fachin; a ADI 551-1/RJ, de relatoria do Ministro Ilmar Galvão; bem com o RE nº 833.106/GO, de relatoria do Ministro Marco Aurélio.
Compulsando o teor dos julgados citados, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal, com subsídios teóricos e subjetivos, entende pela aplicação do princípio do não-confisco às multas tributárias demasiadamente excessivas, garantindo uma proteção maior aos contribuintes que já sofrem com uma elevada carga tributária, revelando um grande avanço jurídico e social, influenciando contundentemente nos tribunais inferiores.
Conclui-se que a multa exigida em percentual abusivo agride o patrimônio do contribuinte, se revestindo de natureza confiscatória, devendo a Administração Pública e o Poder Legislativo zelar pelo princípio da vedação do confisco tanto nos tributos, quanto nas multas fiscais.
Lucio Nakagawa Cabrera, advogado, especialista em direito tributário.