O FENÔMENO DA ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA NO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
05/2018
De acordo com o CNJ – Conselho Nacional de Justiça, existem aproximadamente 80 milhões de processos tramitando nas mais diversas instâncias judiciais da Justiça Brasileira (Congresso em foco. Justiça brasileira tem quase 80 milhões de processos em tramitação. Disponível em: <http://congressoemfoco.uol.com.br/noticias/justica-brasileira-tem-quase-80-milhoes-de-processos-em-tramitacao/> Acesso em: 30 de maio de 2018.).
Em virtude da imensidão de processos judiciais e da consequente lentidão do afogado Poder Judiciário, cresceu nos últimos anos a preocupação dos legisladores com a duração razoável do processo, considerando que, após anos de tramitação, a decisão judicial por muitas vezes acaba perdendo a sua efetividade no tempo.
Para enfrentar essa problemática, tornou-se imprescindível refletir sobre meios alternativos de trazer efetividade e celeridade aos provimentos jurisdicionais, sendo necessário “quebrar” o modelo único de processo de cognição plena, passando-se a admitir a sumarização de procedimentos, visando antecipar, quando presentes os requisitos exigidos por lei, a decisão judicial fundamentada em cognição sumária.
Nessa esteira, as tutelas provisórias que já eram previstas no Código de Processo Civil de 1973 sofreram relevantes alterações com o advento da Lei nº 13.105/15, que instituiu o Novo Código de Processo Civil, vez que a nova sistemática processual prevê um “regime geral” para as tutelas provisórias, as subdividindo em tutelas de urgência ou evidência, conforme dispõe os artigos 294 e seguintes da referida lei.
A tutela provisória fundamentada em urgência exige a demonstração da probabilidade do direito e o perigo na demora, o famigerado fumus boni iuris e o periculum in mora, podendo ser ainda classificada como antecipada ou cautelar.
A tutela provisória de urgência de natureza antecipada tem por objetivo antecipar os efeitos da decisão final, concedendo ao postulante, em sede de cognição sumária, a pretensão almejada ao final do processo, como ocorre nos casos em que é deferida a guarda provisória de uma criança/adolescente, a fixação de alimentos provisórios devidos pelo genitor a seu filho, dentre outros casos.
Já a tutela provisória de urgência de natureza cautelar visa resguardar o resultado útil do processo ou, melhor dizendo, assegurar que a decisão judicial não perca sua efetividade no decorrer da demanda, como ocorre nos casos em que o credor promove o arresto de bens do devedor, a fim de evitar que este dilapide o seu patrimônio e se escuse ao pagamento da dívida.
Em ambos os casos acima mencionados, as tutelas poderão ser requeridas incidentalmente no processo ou, caso a urgência seja contemporânea à propositura da ação, é possível que sejam pleiteadas de forma antecedente, nos moldes dos artigos 303 a 310 do Código de Processo Civil.
Na hipótese da tutela antecedente, serão deduzidas na inicial as informações atinentes à urgência e a exposição sumária dos fatos, sendo que posteriormente, após a análise do pedido de tutela pelo juiz, a inicial deverá ser aditada e incluídos os documentos que se fizerem necessários, caso seja a tutela antecipada e, no caso da cautelar, deverá o autor promover o pedido principal nos mesmos autos.
Além da tutela provisória fundamentada na urgência, existe a tutela de evidência, a qual independe da demonstração de perigo de dano, sendo necessário tão somente que a matéria em comento esteja prevista em um dos incisos I a IV do artigo 311 do CPC, como ocorre nas ações em que as alegações de fato possam ser comprovadas tão somente por prova documental e haja tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante.
Feitas essas observações e superada a conceituação básica dos institutos, passa-se a análise do fenômeno da “estabilização da tutela”, previsto no artigo 304 e parágrafos do Código de Processo Civil.
De acordo com o dispositivo supracitado, a tutela provisória de urgência antecipada concedida em caráter antecedente poderá ter seus efeitos estabilizados caso o réu não interponha o respectivo recurso contra a decisão que a concedeu, ocorrendo, neste caso, a extinção do processo.
Muito embora a lei fale apenas em “recurso”, a doutrina de Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero (2015, p. 216), entendem que a manifestação do réu é suficiente para sustar os efeitos da estabilização da tutela, com a vantagem de economizar o recuso de agravo de instrumento, já que demonstra a manifesta vontade do requerido “no sentido de exaurir o debate com o prosseguimento do procedimento” (MARINONI, Luiz Guilherme. ARENHART, Sérgio Cruz. MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 216.).
Com a estabilização da tutela e a consequente extinção do feito, os seus efeitos serão conservados enquanto a tutela não for revista, reformada ou invalidada por decisão de mérito proferida em ação autônoma, a ser distribuída por dependência ao juízo que concedeu a tutela.
A legislação processual prevê que qualquer das partes poderá ingressar com ação visando rediscutir a tutela concedida, no entanto este direito decai após dois anos contados da ciência da decisão que extinguiu o processo.
Cabe ressaltar que a decisão que concede a tutela antecipada antecedente não faz coisa julgada material, conforme preconiza o § 6º do artigo 304 do CPC, não obstante a estabilidade dos seus efeitos só poderá ser afastada por decisão de mérito proferida na ação que visa à rediscussão da tutela, observado o prazo supracitado, o que faz com que muito se assemelhe a coisa julgada, uma vez que passado o prazo não há como rediscutir a matéria.
Resta evidente que o fenômeno da estabilização da tutela visa atender ao anseio constitucional pela duração razoável do processo, considerando que, não manifestando a parte requerida o seu inconformismo com o deferimento da tutela, não subsistem motivos para o prosseguimento da demanda.
É importante salientar que, antes de se tornar definitiva a decisão sumária que concedeu a tutela, foi oportunizado a parte requerida a interposição de recurso ou qualquer manifestação nos autos contestando o deferimento desta e, ainda, após a extinção do processo, o ajuizamento de ação autônoma visando rediscutir a tutela.
Por todo exposto, não há que se falar em afronta ao contraditório ou a ampla defesa, eis que o procedimento da tutela antecipada antecedente que prevê a estabilização da decisão sumária está prevista na legislação processual, não se tratando, portanto, de decisão surpresa, além de que a estabilização só ocorrerá na inércia do réu, o que faz com que caia por terra a alegação de que o fenômeno da estabilização da tutela violaria o modelo constitucional de processo.
Autora: Gabriela de Mattos Fracetto, advogada.