Plano de saúde custeado pelo empregador. Coparticipação e direito de...

Barrichelo, Masson e Venâncio - Sociedade de Advogados

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Plano de saúde custeado pelo empregador. Coparticipação e direito de permanência.

10/2019

 

Plano de Saúde custeado pelo empregador, coparticipação e direito de permanência do ex-empregado no plano patronal.

A Lei 9.656/98 (Lei dos Planos de Saúde) garante ao trabalhador demitido sem justa causa ou ao aposentado que contribuiu para o plano de saúde em decorrência do vínculo empregatício, o direito de manter sua condição de beneficiário nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.

Existem certos planos de saúde oferecidos pelo empregador em que o empregado arca apenas com coparticipação, ou seja, um valor variável, cobrado do segurado apenas quando utilizar o plano de saúde, não existindo o pagamento de mensalidade.

Tal coparticipação, de valor módico, é tida como um fator de desestímulo ao uso imoderado dos serviços de saúde que estão sendo suportados quase que exclusivamente pelo empregador.

Têm sido travadas inúmeras demandas judiciais por ex-empregados contra os seus ex-empregadores, que após a rescisão contratual, mantém o ex-funcionário vinculado ao plano de saúde por prazo geralmente exíguo, – se previsto em Contrato, Acordo ou Convenção Coletiva do Trabalho -, e depois se recusam a mantê-los no Convênio Médico, mesmo que estes se disponham, a assumir o pagamento integral de sua mensalidade devida ao Convênio, ou seja, a sua cota parte acrescida da cota patronal.

Ressalte-se de passagem que a questão da competência para julgamento da matéria ainda é controvertida, se exclusivamente civil ou trabalhista, e embora existam controvérsias, prevalece a competência Estadual quando a ação é ajuizada apenas contra a empresa operadora do plano de saúde e da Justiça do Trabalho quando no polo passivo da ação consta também o ex-empregador.

As alegações do ex-empregado, em breve síntese não exauriente, são que o custeio pelo ex-empregador caracteriza-se como salário indireto e que o § 6º do art. 30 da Lei 9.656/9 dá margem a interpretações dúbias, tornando-se também questionável as definições que são dadas por Resoluções da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS).

Recentemente tal questão foi enfrentada pelo C. Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial Repetitivo, Tema nº 989, tendo sido firmada a seguinte tese:

“Nos planos de saúde coletivos custeados exclusivamente pelo empregador não há direito de permanência do ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa como beneficiário, salvo disposição contrária expressa prevista em contrato ou em acordo/convenção coletiva de trabalho, não caracterizando contribuição o pagamento apenas de coparticipação, tampouco se enquadrando como salário indireto”.

Como se sabe, recurso repetitivo, é aquele que representa um grupo de recursos especiais que tenham teses idênticas, ou seja, que possuem fundamento em questão de direito idêntica, de tal forma que após a publicação do julgamento do recurso, a tese firmada será aplicada aos demais processos análogos.

Entretanto, isso não quer dizer que tal solução não possa ser revista se surgir tese ou questão nova relevante, ainda não apreciada por ocasião do julgamento do recurso especial repetitivo.

E uma dessas questões diz respeito à arguição da inconstitucionalidade do § 6º do art. 30 da Lei 9.656/98, que dispõe o seguinte:

“§ 6o Nos planos coletivos custeados integralmente pela empresa, não é considerada contribuição a coparticipação do consumidor, única e exclusivamente, em procedimentos, como fator de moderação, na utilização dos serviços de assistência médica ou hospitalar”.

O fato é que eminentes doutrinadores e juristas tem entendido que, nesse ponto, a Lei 9656/98 discrimina os funcionários que pagavam através de coparticipação daqueles que pagavam mensalmente o custeio do plano.

Tal discriminação atinge a igualdade material dos trabalhadores, pois após o término do vínculo laboral, e independente da forma de como o plano era pago na constância do pacto laborativo, todos tem que pagar sua cota parte acrescida da cota patronal, ou seja, todos terão que igualmente assumir o pagamento integral do plano de saúde, não havendo razão plausível para tal discriminação.

Nesse sentido, já existem precedentes julgando o referido parágrafo inconstitucional, por exemplo, conforme consta de v. acórdão prolatado pelo E. Tribunal Regional do Trabalho, no Recurso Ordinário nº 0000950-11.2017.5.17.0003, Rel. Des. JAILSON PEREIRA DA SILVA, dj 06/08/2018, que adotou as razões de decidir do Incidente de Uniformização de Julgamento onde foi suscitada a inconstitucionalidade do § 6º do art. 30 da Lei 9.656/98, pelo doutrinador e Des. CARLOS HENRIQUE BEZERRA LEITE, processo nº 0000596-29.2016.5.17.0000, de relatoria do Des. MARCELLO MACIEL MANCILHA, onde consta o exame aprofundado da matéria na perspectiva da sua constitucionalidade.

Nas razões do referido julgado que concluiu pela inconstitucionalidade do § 6º do art. 30 da Lei 9.656/98, consta os seguintes trechos:

• “Analisando a norma em comento, verifico a existência de uma discriminação com os trabalhadores que contribuíram de fato com o plano por meio do pagamento de procedimentos na utilização dos serviços de assistência médica ou hospitalar sem a necessária razão de ser, o que viola frontalmente o princípio da igualdade material”.

• “Assim, por meio da manifestação monocrática do Chefe do Poder Executivo, criou-se a referida discriminação sem qualquer fundamentação razoável que pudesse levar ao entendimento de que o discrímen teria o condão de assentar uma desigualdade visando dar concretude ao princípio da igualdade material, previsto no caput do artigo 5º da CR/88”.

• “Portanto, ainda que em um Estado Democrático e Social de Direito a vontade do Parlamento, legítimo representante eleito pelo povo, deve ser ao máximo respeitada, por ser essa, em tese, a vontade da população por ele representada, ainda que de forma indireta, não se pode permitir que normas que violam preceitos essenciais (direitos fundamentais) permaneçam no mundo jurídico, mesmo que para isso o judiciário deva exercer o seu papel constitucional de declarar a inconstitucionalidade da norma, atuando como protagonista (de forma excepcional) na criação do direito”

• “Assim, pode e deve o Poder Judiciário declarar, quando necessário, a inconstitucionalidade de normativo que viola os postulados previstos na Constituição da República”.

• “Especificamente quanto ao disposto no § 6º do artigo 30 da Lei 9.656/98, entendo ser flagrantemente inconstitucional a previsão de que os trabalhadores demitidos sem justa causa (estendendo-se essa regra, por força do disposto no artigo 31 da mesma lei, aos aposentados) que tenham contribuído com o Plano de Saúde por meio do pagamento da participação nas consultas e procedimentos ao longo do contrato, de não poderem usufruir do benefício de permanecer no plano, ainda que assumindo o pagamento integral da mensalidade, nos mesmo moldes como ocorre com os trabalhadores que pagavam parte da mensalidade do plano”.

• “Isso porque, como visto acima, para que o discrímen não seja considerado como violador do princípio da igualdade material, este não poderá ser arbitrário e deve ter um fundamento racional, o que não vislumbro no caso. Muito pelo contrário”.

• “Outrossim, a inserção do § 6º ao artigo 30 da Lei 9.656/98 visa, no meu modo de ver, a beneficiar as grandes corporações em detrimento do objeto principal do planos de saúde coletivos que é a saúde do trabalhador, ocorrendo assim, ainda, a violação à função social do contrato, princípio implícito da nossa Constituição”.

• “Isto posto, tem-se que ao excluir o empregado que contribuiu para o plano por meio do pagamento da participação em consultas e procedimentos durante o seu contrato de trabalho do plano de saúde coletivo, justamente no momento em que mais necessita que o valor do plano se mantenha acessível (quando da perda do emprego), tanto para si quanto para sua família, verifica-se a violação do princípio da função social do contrato, que se extrai do previsto no artigo 1º, III (dignidade da pessoa humana) e 170, III (função social da propriedade), ambos da CR/88.”

Após discorrer sobre a possibilidade da declaração da inconstitucionalidade do referido parágrafo, continua o v. voto do I. Des. CARLOS HENRIQUE BEZERRA LEITE, citado referido v. acórdão:

• “Pelo exposto, por entender que a norma que exclui os trabalhadores que contribuíram com os planos de saúde coletivos, por meio do pagamento da participação em consultas e procedimentos, da benesse de se manterem no plano, como previsto no caput do artigo 30 da Lei 9.656/98, viola frontalmente os princípios da igualdade material (artigo 5º, caput da CR/88), função social do contrato e dignidade da pessoa humana (arts. 1º, III e 170, II, ambos da CR/88), declaro a inconstitucionalidade do § 6º do artigo 30 da Lei 9.656/98.”

E continua o v. voto do I. Relator, Des. JAILSON PEREIRA DA SILVA:

“Ora, quando o §6º do artigo 30 da Lei 9.656/98, incluído pela MP 2.177/2001, apresenta texto explicativo para dizer que a modalidade de coparticipação não é considerada contribuição para o plano pretendeu, sem qualquer sentido lógico, excluir dos beneficiários que apenas coparticipam o direito de permanecerem no plano, ainda que arcando integralmente com o seu custo. Não há outra intepretação para esse parágrafo que lhe salve da inconstitucionalidade.

Com efeito, lendo o caput do artigo 30 desde a sua redação original pode-se concluir que o objetivo da lei foi e ainda é, com a nova redação dada pela MP 2.177/2001, o de assegurar ao consumidor/empregado o direito à manutenção do plano por um período de tempo enquanto não alcançado um novo vínculo empregatício, impondo-se-lhe, apenas, o pagamento da parte patronal.

Vale dizer, a norma objetivou impedir a falta de cobertura imediata ao consumidor empregado que fosse dispensado sem justa causa, presumivelmente em função dos contratempos de ordem financeira e de assistência médica que ocorrem evidentemente na troca de plano, bastando lembrar da situação dramática de muitos beneficiários às vésperas de cirurgias e de tratamento especializado de determinado profissional, inexistente em outro plano.

Nesse sentido, há evidente desconexão entre o discrimen eleito pelo § 6º em separar a mera coparticipação da modalidade contributiva direta ao plano, uma vez que pouco importa o montante ou a forma de “contribuição” para os desígnios protetivos almejado pelo caput do artigo.

Assegurar a permanência no plano para quem não pode ser dele alijado de forma abrupta não tem nada a ver com o montante despendido para o seu custeio, seja na forma de coparticipação, vantagem concedida gratuitamente pelo empregador ou contribuição direta como se refere o caput do artigo.

E se não há lógica racional entre o discrimen eleito e o benefício outorgado pela lei (permanência no plano), distinguindo duas classes de beneficiários, a norma afronta o princípio da isonomia, descambando para a inconstitucionalidade.

(…)

O mesmo se aplica aos aposentados. O artigo 31 criou um benefício de participação no plano para que tivesse 10 anos ou mais ou proporcionalmente para quem tivesse menos, com possibilidade de que permanecesse no plano. A outorga do benefício presumivelmente se deve à idade dos aposentados, a necessidade de gozar das condições contratuais do plano já em vigor, mesmo arcando com a parte do empregador.

Portanto, não tem sentido lógico impedir-lhe o exercício desse direito só porque participa do plano ou mesmo o tem de graça, reservando esse direito apenas para quem contribui totalmente ou teve participação modesta, numa equação incapaz de justificar o direito destes em detrimento dos daqueles, considerando que ambos arcarão com a participação patronal, ao se desvincularem da empresa.

Assim, como base nesses fundamentos, declaro, incidentalmente, a inconstitucionalidade do §6º do art. 30 da Lei 9.656/98, devendo, portanto, a reclamada restabelecer o plano de saúde do autor, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, (assumindo o autor o seu pagamento integral), (…).”

Após as exaustivas e consistentes razões e fundamentos do v. acórdão supramencionado, restou assim ementado:

MANUTENÇÃO DO PLANO DE SAÚDE. DEMISSÃO DO EMPREGADO. LEI 9656/98. Ao se ler o caput do artigo 30 da Lei 9656/98 desde a sua redação original, pode-se concluir que o objetivo da lei foi e ainda é, com a nova redação dada pela MP 2.177/2001, o de assegurar ao consumidor/empregado o direito à manutenção do plano por um período de tempo enquanto não alcançado um novo vínculo empregatício, impondo-se-lhe, apenas, o pagamento da parte patronal, havendo, assim, evidente desconexão entre o discrimen eleito pelo § 6º em separar a mera coparticipação da modalidade contributiva direta ao plano, uma vez que pouco importa o montante ou a forma de “contribuição” para os desígnios protetivos almejado pelo caput do artigo.

Denota-se que ao final foi declarado incidentalmente, a inconstitucionalidade do § 6º do art. 30 da Lei 9.656/98, devendo o empregador restabelecer o plano de saúde do reclamante nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho (assumindo o reclamante o seu pagamento integral).

Em suma, sustenta-se que a norma do § 6º do artigo 30 da Lei 9.656/98 merece ser declarada inconstitucional sob pena de violação direta dos princípios da igualdade material (artigo 5º, caput da Constituição Federal), função social do contrato e dignidade da pessoa humana (arts. 1º, III e 170, II, ambos da CF/88), tese relevante que eventualmente pode reabrir a reapreciação do tema.

Autor: Antonio Roberto Barrichello, advogado, engenheiro civil.

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